Eurico Brilhante Dias: “O nosso contributo [no combate à covid-19] vai muito além das vacinas”

Fábrica em Paredes de Coura deverá começar a produzir vacina contra covid-19 até ao final do ano. Secretário de Estado da Internacionalização explicou contactos feito pelo Governo com empresas farmacêuticas.

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Governo tem desenvolvido contactos com as principais fabricantes de vacinas Rui Gaudencio/Arquivo

Vai ser construída em Paredes de Coura uma fábrica de vacinas da Zendal. Quando começará a produção? 
A Zendal anunciou que a unidade estaria concluída em Dezembro de 2021 e disponível para produzir vacinas a partir dessa altura. Nesta fase, é uma decisão de investimento muito interessante e muito importante para Portugal, colocando o país pela primeira vez em muitos anos como um exportador de vacinas, coisa que não éramos até esta decisão de investimento.

A Zendal tem um acordo com a Novavax, que tem actualmente uma vacina para a covid-19 em ensaios clínicos. Portugal tem estabelecido contactos também com a Pifzer, Moderna e AstreZeneca, cujas vacinas já estão a ser usadas?
Sim, é público que a Zendal tem a possibilidade de produzir a Novavax. Recordo que a vacina ainda está em ensaios clínicos, mas é uma das entidades que já tem pré-contrato com a União Europeia — isso é muito positivo. Portugal recebe vacinas quer da Pfizer, Moderna e AstraZeneca no quadro do protocolo europeu. Quanto a contactos [com estas três empresas], sim, nós — do ponto de vista dos canais diplomáticos — temos vindo a contactar, não só numa lógica de mostrar Portugal como um território de investimento, mas também para que empresas portuguesas possam vir, no quadro que for o entendido, a participar nas cadeias de valor dessas entidades.

É uma possibilidade isso vir acontecer já em 2020?
Esta questão não se resume apenas às vacinas. Continuamos, com a abertura dessas entidades, a estudar as possibilidades de cooperação entre Portugal e essas empresas. Isso está em cima da mesa, processos que entre 2021 e 2022 acredito que terão desenvolvimento, num quadro mais lato do investimento. Mas não posso — nem devo — concretizar nada em particular.

Que outras negociações estão em curso?
Aquilo que temos feito é contactar diversas entidades — e mais do que uma vez. Mostrando o potencial do nosso cluster farmacêutico e de equipamentos de saúde. Temos feito essa abordagem contínua, país a país. São mais de 40 entidades de 11 países diferentes. Nessa medida, vamos descortinando oportunidades de trabalho conjunto e essas oportunidades vão desde centros de desperdício e centros de competências, à avaliação de unidades portuguesas com capacidade de produção instalada que possam responder a aspectos de procura que essas empresas têm.

Ou seja, o contributo português no combate à pandemia não se limita às vacinas?
Temos abertos muitos campos que vão além das vacinas para a covid-19, apesar de a pandemia ter sido uma oportunidade para poder mostrar as competências que temos. Acho que, muitas vezes, não valorizamos o que já fizemos. Vou dar-lhe três exemplos: temos uma empresa portuguesa do sector farmacêutico, a GenIbet, que colaborou com a Moderna para o desenvolvimento da vacina. Temos uma empresa como a Medinfar que desenvolveu um teste serológico que permitirá fazer, ao longo do tempo, a avaliação do nível de imunidade da população, isso vai ser central para a aplicação da vacinação. Tivemos uma empresa logística do Norte [APP Thermal] que desenvolveu com a Pfizer soluções de transportes para vacinas que precisam de uma temperatura de -70ºC. O nosso contributo vai muito além das vacinas. Diria que estamos presentes em muitas fases diferentes da cadeia de valor: na de investigação e desenvolvimento, na da logística, estaremos no enchimento de vacinas com a Zendal, estamos nos testes serológicos, nos medicamentos. A nossa participação neste combate, além das empresas que começaram a produzir máscaras, é muito mais lata e é esse o nosso cartão-de-visita nestes contactos com as farmacêuticas.

Mas descrevendo todas essas fases, identifica a produção de vacinas como próximo objectivo?
Esse passo, acreditando que tudo correrá bem, concretizando-se o investimento da Zendal que está a ser feito em Paredes de Coura, nós cumprimos. Eu quero sublinhar esse aspecto. Portugal não tinha qualquer unidade que estivesse no processo de produção de vacinas em massa como é este projecto. Se no fim do ano Portugal tiver esta concretização, passou a estar dentro da cadeia de produção de vacinas. É uma tecnologia que está presente no combate à covid-19 mas também estará para outros vírus.

Depois de começar a produção da vacina Novavax, acha que se abrirá a porta para que outras fabricantes olhem para o potencial português?
Queremos sinalizar Portugal junto destes grupos farmacêuticos como uma excelente localização para investigar, para ensaios clínicos e produção de produtos farmacêuticos.

Ou seja, manter cá esse investimento muito depois da covid-19…
Felizmente, a covid-19 não será o princípio – nem sequer o fim — do nosso cluster da indústria da Saúde e da farmacêutica. Temos trabalhado muito nos últimos anos com esta indústria e há muito a fazer para que ela seja mais robusta em Portugal. Agora, temos de valorizar o quadro que temos, valorizar o facto de Portugal passar a estar dentro do processo depois do investimento da Zendal. Mas temos de ir para além disso, o futuro é podermos ter maior produção de produtos farmacêuticos em Portugal, esse é o objectivo.

Neste momento há um problema com o abastecimento de vacinas em toda a União Europeia. Julga que Portugal se pode apresentar como uma solução?
No ponto de vista da capacidade de preenchimento, teríamos capacidade e algumas soluções — evidentemente sempre com adaptações. Mas penso que a questão principal se prende com o acesso a matéria-prima. Essa capacidade de ter matérias-primas muito específicas para a produção destas vacinas, é uma questão em que é preciso desenvolver competências muito próprias. Para aumentar a escala de produção no futuro — e quando digo “no futuro” nem digo para 2021, mas para anos futuros — estas empresas terão de equacionar duramente as cadeias de abastecimento. E aí temos uma oportunidade, mesmo que seja para produzir em 2022, 2023 ou 2024 — numa lógica de continuidade —, essas empresas que agora sentem algum estrangulamento vão ter de equacionar investimento. É aí que nos estamos a posicionar e queremos continuar a trabalhar.

Portanto, atrair esse investimento a médio prazo?
Claro. Muitas vezes isso não significa necessariamente fazermos a vacina toda, ou estarmos na parte final do processo de vacina, ou até nem estar na vacina. Mas significa que no rearranjo das cadeias de abastecimento temos de colocar Portugal como alternativa.

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