“Coronafobia”: a ansiedade em relação à covid-19 tem um nome. Sabe como lidar com ela

Se pensas que podes ter “coronafobia”, e uma das tuas preocupações é estares condenado a viver com este problema para o resto da vida, tem isto em mente: “A hipocondria pode ser passageira”, diz Steven Taylor, professor e psicólogo clínico.

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Hedgehog Digital/Unsplash

Vivemos numa época em que a tosse, um espirro, um problema de olfacto ou de circulação pode suscitar uma preocupação irracional: será isto o início da covid-19? Para algumas pessoas, no entanto, é mais do que uma preocupação momentânea: os especialistas afirmam e a investigação mostra que a pandemia desencadeou um aumento da ansiedade relacionada com a saúde. Na verdade, a ansiedade relacionada com o novo coronavírus recebeu o seu próprio nome: “coronafobia”.

“As pessoas estão muito preocupadas e ansiosas com a infecção por covid-19”, diz Lynn Bufka, directora sénior da Associação Americana de Psicologia e psicóloga clínica licenciada em Maryland. “Todos deveríamos ter algum tipo de vigilância acrescida sobre a nossa protecção, mas, para algumas pessoas, [a ansiedade] é desproporcionada em relação ao risco real e geralmente perturba a vida.”

A ansiedade relacionada com a saúde define-se como uma preocupação que advém da percepção de uma ameaça à mesma. Sentida de forma permanente, pode ser um sintoma de várias doenças psiquiátricas, incluindo a hipocondria (também chamada transtorno de ansiedade por doença).

“A hipocondria está relacionada com a crença de que as sensações ou mudanças corporais devem-se a alguma doença”, diz Gordon Asmundson, professor de psicologia na Universidade de Regina no Canadá e co-autor, com Steven Taylor, do livro It's Not All in Your Head: How Worrying about Your Health Could Be Making You Sick - and What You Can Do About It. Durante surtos virais como o do SARS-CoV-2, por exemplo, pessoas hipocondríacas podem interpretar as dores musculares pós-exercício ou um ataque de tosse como sinais indicadores de que estão infectadas, o que, por sua vez, aumenta a ansiedade e pode provocar sintomas relacionados com o stress.

Embora alguma preocupação com a própria saúde seja benéfica, porque pode incentivar decisões inteligentes para a proteger — tais como usar máscara, manter a distância social e lavar frequentemente as mãos —, demasiada preocupação pode levar-nos para território problemático. “Pessoas com níveis excessivos de ansiedade sobre a sua saúde adoptam muitos comportamentos de controlo, tais como medir a pulsação ou a temperatura, ou esforçam-se por encontrar alguma tranquilização e vão de médico em médico à procura de garantias”, explica Taylor, professor e psicólogo clínico na Universidade de Colúmbia Britânica. “A tranquilização pode ser como uma droga de dependência. Pode perpetuar o problema”.

A ansiedade também pode levar as pessoas a fazer pesquisas frequentes na Internet para perceber se os seus sintomas correspondem a qualquer doença que receiem ter. “Isso é um problema real, porque o Dr. Google vai aparecer com diagnósticos assustadores ou coisas que podem estar erradas”, diz Taylor. “É entrar numa espiral descendente: Verifica-se uma coisa, e isso pode levar-nos a outra, e podemos acabar por nos assustar ainda mais.” A investigação revelou que as pessoas têm uma tendência para se envolverem numa “escalada de perguntas” relacionadas com a doença durante as pesquisas na Internet, o que pode causar um aumento da ansiedade relacionada com a saúde.

Além disso, a ansiedade pode interferir com o sono, especialmente se um ciclo interminável de cenários hipotéticos se desenrolar na nossa mente. Pode desencadear sintomas físicos, como um ritmo cardíaco acelerado, dificuldade de respiração, dores de cabeça e de estômago. E pode interferir com a qualidade de vida no dia-a-dia, prejudicando o estado de espírito, concentração e capacidade de desfrutar de actividades habitualmente agradáveis. “Torna-se um problema quando a preocupação e inquietação são desproporcionais ao risco real, ou se interfere com a capacidade de fazer outras coisas como trabalhar, estudar ou ser pai na vida”, diz Bufka. Neste ponto, deves, sem dúvida, tomar medidas para manter a calma.

As pessoas mais propensas à ansiedade sanitária podem ter crescido com sentimentos gerais de ansiedade ou vulnerabilidade, familiares com a mesma condição ou exposição a comportamentos específicos, diz Asmundson. Se os teus pais se preocupavam constantemente com a digestão ou ficavam excessivamente nervosos quando tinha uma constipação, por exemplo, pode ser mais provável que te percepciones como alguém frágil ou que vigies regularmente o teu corpo à procura de mudanças e desenvolvas hipocondria.

As investigações concluíram que os adultos que têm uma maior intolerância à incerteza tendem a ter uma ansiedade relacionada com a saúde mais intensa durante uma pandemia (como a pandemia pelo vírus H1N1, ou a Gripe A, de 2009). E um estudo de Dezembro constatou que as pessoas propensas a sentir nojo, mesmo antes da pandemia, e as que têm elevados níveis de stress são especialmente susceptíveis à ansiedade em relação ao novo coronavírus.

Embora se possa pensar que a disponibilidade de vacinas para o novo coronavírus iria aliviar os sintomas de ansiedade, isso não é necessariamente verdade. As pessoas com hipocondria podem preocupar-se com a segurança das vacinas, diz Taylor, ou com a possibilidade de terem uma reacção adversa ao serem vacinadas. Aqueles ansiosos por obter uma vacina podem sentir ansiedade à medida que esperam até se tornarem elegíveis ou podem assegurar uma marcação para a vacina. A acrescentar a estas preocupações, diz Bufka, está o facto de que dúvidas sobre as vacinas permanecem sem resposta, tais como “quando é que as pessoas terão de ser vacinadas novamente, e quanto é que as vacinas conduzirão à imunidade na comunidade”.

A boa notícia é que podes ter controlo sobre a ansiedade relacionada com a saúde, sozinho ou com a ajuda de um profissional. Eis como:

Mantém um estilo de vida saudável

Ter uma dieta saudável, dormir o suficiente, manteres-te em contacto com os outros (mesmo que à distância) e fazer exercício físico regularmente. Ainda que as pessoas com níveis severos de ansiedade possam evitar fazer exercício porque isso as faz sentir fisicamente desconfortáveis, diz Taylor, o que só agrava o problema. “O descondicionamento físico ocorre muito rapidamente”, diz, o que pode provocar outros sintomas preocupantes, como um ritmo cardíaco acelerado ou falta de ar após subir escadas. Pelo contrário, a investigação mostra que o exercício aeróbico, especialmente o exercício de alta intensidade, como o jogging, pode ter um efeito significativo e rápido na redução da ansiedade.

Pratica a aceitação consciente

Quando te aperceberes de uma preocupação crescente, “senta-te com a sua ansiedade, aceite que está lá e coloque-a numa caixa mental, para que possa prosseguir com a sua vida”, diz Bufka. Ou tente escrever as suas preocupações de saúde num caderno, depois feche o caderno e mude de forma consciente a sua atenção para outra coisa qualquer. Com a prática, pode treinar-se a si próprio para pôr de lado as suas preocupações.

Acalma o sistema nervoso

“Se aprenderes a controlar a activação do teu sistema nervoso autónomo a reacção de “fuga ou luta” —, podes agir num modo automático habitual, em vez de num modo de perigo, que pode ajudar na ansiedade relacionada com a saúde”, diz Asmundson. Podes fazê-lo com respiração diafragmática ritmada (inalação lenta através do nariz durante dois segundos, pausa para um ou dois segundos, depois exalação durante dois segundos; a barriga deve subir e descer a cada respiração), relaxamento muscular progressivo (contrair e depois relaxar grupos musculares específicos, sistematicamente) ou meditação.

Evita comportamentos de controlo excessivos

Monitorizar repetidamente a tua temperatura ou olfacto por causa da covid-19, ou procurar sinais indicadores de cancro da pele, não te vai fazer bem nenhum. Se te tornares tão vigilante quanto à verificação de sinais na pele ou de um gânglio linfático inchado, por exemplo, poderás irritá-los com os toques constantes e tornares-te mais convicto de que é um sintoma de uma doença grave, avisa Jonathan Abramowitz, professor de psicologia e director da Clínica de Distúrbios de Ansiedade e Stress na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. Se tiveres sintomas efectivamente preocupantes, tais como tonturas, desmaios ou um caroço persistente no peito ou na virilha, consulta um médico de confiança e segue os seus conselhos. Mas não saltes de um médico para outro à procura de uma tranquilização, e não passes horas online à procura de informação sobre saúde. Para evitar estes comportamentos de verificação, fica longe da Internet quando não estiveres a trabalhar e/ou mantém as mãos e a mente ocupadas com actividades tais como colorir, tricotar ou ler durante os tempos livres.

Muda a tua mentalidade

A forma como pensas sobre as sensações corporais e a tua saúde em geral pode provocar ansiedade ou diminui-la, dizem os especialistas. Por exemplo, concentrares-te nos sintomas negativos ou saltar para conclusões catastróficas pode aumentar a hipocondria. Podes quebrar estes padrões com uma reformulação cognitiva: questionando os pensamentos ansiosos e tentando criar uma avaliação mais realista da tua saúde, diz Bufka. Para o fazeres, pensa em casos particulares (estive exausto esta semana, por isso devo estar a ficar doente) e considera outras formas de encarar a situação (tenho trabalhado arduamente e tenho dormido pouco, por isso é que estou arrasado).

Procura ajuda profissional

Se não consegues reformular pensamentos ansiosos por ti próprio, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) pode ajudar, diz Abramowitz. E não te preocupes por teres de te encontrar pessoalmente com um profissional: um estudo de Setembro de 2020 que comparou a terapia cognitivo-comportamental para a ansiedade em formato online e presencial concluiu que o modo online era tão eficaz como as sessões presenciais, e custava menos. Se um terapeuta não puder ajudar, consulta um psiquiatra; especialistas dizem que algumas pessoas com hipocondria podem beneficiar da toma de um antidepressivo ISRS (inibidor selectivo de recaptação de serotonina).

Se pensas que podes ter “coronafobia”, e uma das tuas preocupações é estar condenado a viver com o problema para o resto da vida, tem isto em mente: "A hipocondria pode ser passageira”, diz Taylor. “Só porque estás a sentir ansiedade relacionada com a saúde durante a pandemia, não significa que se vá tornar um problema a longo prazo”. A solução é tomar agora medidas para a gerir e evitar que estabeleça raízes.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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