Refugiado na ONU, Aristides Gomes poderá deixar a Guiné-Bissau assim que tiver despacho do procurador

Ministério dos Negócios Estrangeiros guineense diz, em comunicado, que ex-primeiro-ministro irá deslocar-se ao estrangeiro por razões de saúde.

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Aristides Gomes está refugiado na representação da ONU em Bissau desde Março do ano passado INáCIO ROSA/Lusa

O ex-primeiro-ministro guineense Aristides Gomes, afastado do poder pelo Presidente Umaro Sissocó Embaló quando este assumiu o poder antes de estar concluído o processo eleitoral e os resultados serem confirmados pelo Supremo Tribunal, e refugiado na representação da ONU em Bissau por temer pela sua segurança, vai poder sair do local onde está e da Guiné-Bissau.

De acordo com um comunicado do gabinete da ministra dos Negócios Estrangeiros guineense, Suzi Barbosa, o político do PAIGC, partido mais votado nas eleições legislativas de 2019, o Ministério Público e a Representação das Nações Unidas chegaram a acordo para que o chefe do governo se possa deslocar ao estrangeiro por questões de saúde.

Suzi Barbosa, que tinha a mesma pasta no executivo de Aristides Gomes, refere que tudo está agora dependente apenas de um despacho da Procuradoria-Geral da República a autorizar que o ex-primeiro-ministro deixe o país “para tratamento médico”.

O comunicado, além de dizer que as negociações foram feitas sob a égide do Presidente da República, também refere que o ex-primeiro-ministro só estava “albergado” na ONU por “livre vontade”.

Versão contrariada pelo próximo e pelo PAIGC e consubstanciadas nas várias denúncias da sociedade civil guineense que fala da existência de um “clima de terror” na Guiné-Bissau. Nomeadamente, fala-se na existência de dois processos-crimes a decorrer na câmara criminal do Tribunal de Relação da Guiné-Bissau que é negado pelo próprio presidente da instituição, Tijande Djaló.

“O Tribunal de Relação considera a notícia falsa e infundada, uma vez que, até à data presente, nenhum processo-crime contra o cidadão Aristides Gomes deu entrada na Câmara Criminal deste tribunal, muito menos um tal despacho que aplicou medidas de coacção contra o cidadão Aristides Gomes, ex-primeiro-ministro”, referiu, em Outubro, num comunicado divulgado à imprensa.

Em Março, o primeiro-ministro chegou a ter a sua residência cercada por militares e, temendo pela sua vida, resolveu pedir assistência às Nações Unidas.

No passado mês de Dezembro, na cerimónia de encerramento do Gabinete Integrado para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau da ONU em Bissau, a representante do secretário-geral da ONU reiterou, em declarações à Lusa, que a organização continuaria a dar guarida ao ex-primeiro-ministro. “As Nações Unidas têm o papel de proteger as pessoas que se sentem ameaçadas no seu país ou no contexto em que vivem”, disse Rosine Sori-Coulibaly.

A Liga Guineense dos Direitos Humanos garantiu, nesse mesmo mês de Outubro, que o Presidente Embaló implantou o terror no país. “O Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, adoptou como método do seu consulado a implantação de terror como forma de controlar a mente dos cidadãos. E para a materialização desta sua intenção maléfica, emergiu em Bissau um esquadrão de repressão de cuja referência moral é supostamente o senhor Umaro Sissoco Embaló que, com a bênção deste, anda a espalhar o terror por todos os lados na Guiné-Bissau”, afirmou.

Ruth Monteiro, a ex-ministra da Justiça guineense que também teve de se refugiar em parte incerta até conseguir deixar o país rumo a Portugal, por fazer parte da mesma lista de indivíduos proibidos de viajar para o exterior onde constava o nome de Aristides Gomes, falava em Abril do ano passado, em entrevista ao PÚBLICO, em “perseguição política” a políticos ligados ao PAIGC.

“Há cinco pessoas que estão incluídas numa lista de perseguidos politicamente e que tem o primeiro-ministro [Aristides Gomes] à cabeça. Tem passado muito despercebido o facto de que ele, até há mais tempo do que eu, teve de se refugiar. As notícias que temos em relação a ele são até mais graves das que temos em relação a mim, porque, provavelmente, poderia fazer mais sombra e teria acções mais efectivas e com melhores resultados do que eu”, disse na altura, Ruth Monteiro.

Confederação de sindicatos envia carta a Embaló

Para alguém que tivesse aterrado na política guineense nas últimas semanas, o tom do comunicado do gabinete de Suzi Barbosa é o de que foram os auspícios do Presidente da República que permitiram desbloquear a situação de Aristides Gomes. 

“As diligências diplomáticas efectuadas pela Representação das Nações Unidas na Guiné-Bissau, e facilitadas por Sua Excelência o Presidente da República (...) vem confirmar o pleno respeito aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado da Guiné-Bissau”, refere o texto.

Isto na mesma semana em que o presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), Ayuba Wabba, escreveu uma carta a Umaro Sissoco Embaló, em representação de “200 milhões de trabalhadores em 163 países” para “condenar veementemente o ataque continuado” contra o secretário-geral da União dos Trabalhadores da Guiné-Bissau, Júlio António Mendonça e recordar ao chefe de Estado guineense “a sua responsabilidade de cumprir as suas obrigações internacionais”. 

“As ameaças estão a ser dirigidas contra a sua pessoa, para que acabe com as greves, caso contrário enfrentará a morte por assaltantes desconhecidos que se crê serem agentes do estado no seu país”, escreve Wabba. 

O sindicato tem organizado acções de protesto contra os aumentos injustificados de impostos anunciados pelo governo em Novembro e aprovados pelo Presidente da República. “Isto levará a a um aumento de impostos de 100% e terá um efeito devastador sobre os trabalhadores e a população em geral”, acrescenta a missiva.

O líder da CSI condena Umaro Sissoco Embaló e o seu governo por continuarem a atacar o movimento sindical só porque este se opõe “aos aumentos de impostos e outras práticas incorrectas no governo” e implora ao chefe de Estado que “garanta a segurança de Júlio António Mendonça e de outros líderes sindicais; que ponha termo a quaisquer actos de intimidação e ameaças contra os líderes sindicais; e que abrace um diálogo social significativo”.

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