A ditadura das gravatas no Parlamento da Nova Zelândia acabou

Expulsão de deputado maori que se recusou a usar gravata levou à mudança das regras. Para Rawiri Waititi “não se trata de gravatas, mas de identidade cultural”.

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O deputado do Partido Maori, Rawiri Waititi Reuters

O Parlamento da Nova Zelândia deixou de obrigar os deputados a usar gravata, depois de um deputado maori ter sido expulso do hemiciclo após a segunda advertência de que não poderia intervir sem o exigido acessório de indumentária.

Na terça-feira, o presidente do Parlamento, Trevor Mallard, impediu por duas vezes o deputado Rawiri Waititi, do Partido Maori, de fazer uma pergunta, insistindo que os parlamentares só podiam intervir vestidos com gravata. Como o deputado prosseguiu a sua intervenção, mesmo depois da segunda advertência, Mallard ordenou a sua expulsão.

“Não se trata de gravatas, mas de identidade cultural”, afirmou Waititi ao abandonar o Parlamento naquele dia.

O episódio desatou um debate sobre colonialismo na Nova Zelândia e atraiu as atenções do mundo inteiro, com a hashtag #no2tie a transformar-se em tendência no Twitter.

O impacto foi tão grande que na quarta-feira Mallard veio a público dizer que o Parlamento ia acabar com a regra de imposição da gravata.

“Numa reunião na comissão levada a cabo esta noite discutiu-se isto e foi ouvida uma apresentação do Te Paati Maori [Partido Maori]. A comissão não chegou a um consenso, mas a maioria da comissão mostrou-se a favor da remoção da exigência de gravatas como ‘traje apropriado’ para homens”, escreveu o presidente do Parlamento no Twitter.

Esta não foi a primeira vez que Waititi ataca a obrigação do uso de gravata, a que chama “nó colonial” e que considera ser um símbolo do colonialismo que ainda impera na sociedade neozelandesa, quatro séculos depois da chegada dos primeiros europeus.

“Os maori não têm sido tratados de forma igual no seu próprio país e os povos indígenas de todo o mundo têm sido sujeitos a discriminação por sistemas racistas que mantêm os nossos povos como secundários”, afirmou à Reuters na quarta-feira.

O povo maori é o povo polinésio que vivia na que se tornaria Nova Zelândia antes da chegada dos europeus no século XVII, representando hoje cerca de 16,5% da população do país de cinco milhões de habitantes.

Aparentemente sem entender o verdadeiro sentido da questão, Mallard afirmava na terça-feira que a seu ver “as gravatas são antiquadas”, mas que a grande maioria dos deputados as defendia e, por isso, ele tinha de garantir que todas as usavam. “Nada impede Rawiri de usar o seu hei tiki [amuleto ornamental tradicional] se assim o quiser, mas não é alternativa à gravata”.

O volte-face 24 horas depois não deixa de ser surpreendente, mas demonstra o brado que levantou no mundo inteiro, com a primeira-ministra, Jacinda Ardern, a pedir aos políticos que se concentrem em assuntos mais importantes: “Não me parece que os neozelandeses se interessem por gravatas. Há assuntos mais importantes”.

Ardern chefia um governo que entregou pela primeira vez uma pasta ministerial a uma mulher maori, a ministra dos Negócios Estrangeiros Nanaia Mahuta, que usa a moko kauae, a tradicional tatuagem do queixo.

“Para nós, erguermo-nos contra a subjugação, erguermo-nos contra a assimilação, erguermo-nos contra aqueles que tentam fazer-nos parecer, sentir, que nos fazem pensar como eles querem… isto foi enfrentar isso tudo”, disse Waititi.

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