Não se vacinam as sogras antes dos maridos

Tenho a certeza de que as avós, sejam maternas ou paternas, viram a sua cotação aumentar muitos pontos, não só porque longe da vista são idealizadas, como porque pais exaustos endeusam qualquer pessoa que lhes fique com as crianças

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"Se houver alguma coisa mais “chata” para conversar, só os filhos devem falar com as mães. E vice-versa" @DESIGNER.SANDRAF

Querida filha,

Vi em directo e ri meia hora com a resposta que a presidente do conselho de administração de um hospital deu ao jornalista que a “acusava” de ter deixado vacinar a sogra indevidamente. Argumentou a senhora: “Se fosse por estrita relação pessoal eu tinha vacinado o meu marido.” E reforçou a ideia protestando: “Nunca se ouviu falar de vacinar as sogras antes dos maridos!”

No período pré-pandemia teria toda a razão, mas neste momento de confinamento total já não tenho tanta a certeza, sobretudo se houver filhos. Tenho a certeza de que as avós, sejam maternas ou paternas, viram a sua cotação aumentar muitos pontos, não só porque longe da vista são idealizadas, como porque pais exaustos endeusam qualquer pessoa que lhes fique com as crianças, meia hora que seja. Cá para mim, foi o marido da senhora a implorar-lhe que vacinasse a mãe/avó.

Mas este episódio fez-me lembrar que nestas nossas Birras nunca falámos de comadres. Das solidariedades, mas também das rivalidades e ciúmes, entre a avó, mãe da mãe e a avó, mãe do pai. É um tema recorrente nas conversas que tenho com avós, e invariavelmente a avó paterna sente que o pêndulo pesa para o lado da avó materna, o que implicitamente significa que acreditam que a mãe das crianças favorece a sua própria mãe. Não vale a pena desmenti-lo, porque suspeito que mesmo a mulher mais querida e justa acaba inconscientemente por o fazer, a não ser que — e há casos — até se dê melhor com a sogra do que com a sua própria mãe. Mas o que se esquece é que o pai fará o mesmo. E é por isso que os netos têm a oportunidade de criar uma relação única e especial com cada uma das avós. Desde que, e isto é importante sublinhar, os adultos não amuem, cruzando os braços, esperando que a intimidade com os netos aconteça por obra e graça de terceiros, sem procurarem cultivar o seu nicho de mercado.

Tenho a maior sorte do mundo, porque a tua sogra e eu já gostávamos imenso uma da outra, muito antes de tu e o Eduardo terem nascido. E agora que vos temos a vocês e aos vossos filhos em comum, mais próximas ficámos, como bem se viu na aflição que partilhámos quando a covid chegou a vossa casa.

Mas suspeito que mesmo as comadres mais unidas têm ciúmes. Não me esqueço daquela semana em que me deixaste as gémeas, com dois ou três anos, com a condição de que depois fossem passar o fim-de-semana com a outra avó. Aqueles dias foram tão mágicos que quando chegou ao momento de as “entregar”, estava com um (pequeno) nó na garganta. Secretamente esperava que elas protestassem, fizessem uma birra, mas tal não aconteceu, e largando-se dos meus braços correram para os da avó Madalena. Sem olharem para trás.

Tive vontade de as chamar ingratas, não escondo. E invejei a minha querida comadre. A diferença foi que lho disse logo ali, e rimos juntas. O segredo é esse: a confissão. Não há dúvida nenhuma de que as birras frescas são as melhores.


Querida Mãe,

Estou a rir-me sozinha porque, de facto, há coisas que mudam mesmo quando se tem mais do que um filho. Lembro-me tão bem de sentir essas dinâmicas, de morrer de medo de ferir susceptibilidades, de me irritar consigo e com a minha sogra, de querer marcar a minha posição, dizendo-vos “a mãe sou eu!”.

Dez anos e dois filhos depois da primeira viagem não há nada que me dê mais prazer do que ter as comadres a competir pelo tempo com os netos, que se traduz em relações melhores com os avós e noites de cinema para os pais! Aliás, tenho ainda mais sorte porque tenho, cá na terra, mais uma avó (torta) para as minha filhas E ainda, uma avó adoptiva. Ou seja, o vosso trabalho para serem sempre as #1 na vida dos meus filhos vai exigir-vos um envolvimento constante, garantindo-lhes os avós mais espectaculares e presentes possíveis! E eu só fico a ganhar com isso.

Mas há uma regra de ouro que ajuda a manter estas relações pacíficas: se houver alguma coisa mais “chata” para conversar, só os filhos devem falar com as mães. E vice-versa. Não há nada pior do que sentirmos a sogra a tentar dar recados ao filho através de nós, ou uma nora/genro a pôr a sogra em cheque. Por isso, birras, sim, mas neste campo necessariamente minado, manter a cerimónia pode também ajudar!

Beijinhos


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

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