Cuidamos das pessoas... e quem cuida das freguesias?

O apoio direto às familias, o suprimento das necessidades básicas dos idosos, fomos e somos a bandeira da governação que se diz presente, que mostra o rosto, dá a cara, para o bem e para o mal.

As freguesias são, sem dúvida alguma, as instituições do Estado mais próximas dos cidadãos. São quem melhor conhece os seus desafios, as suas necessidades, as suas dificuldades e o impacto das políticas públicas no seu dia-a-dia. O efeito “borboleta”, aqui, não precisa de ter origem no outro lado do mundo – qualquer ligeira alteração legislativa, qualquer medida restritiva ou com impacto económico, financeiro e social verifica-se imediatamente nas comunidades locais às quais decidimos servir.

A importância das autarquias locais tem sido ainda mais evidente desde que nos vimos a braços com uma pandemia de proporções épicas. Uma crise sanitária que nos empurrou a todos para o reduto familiar, e a muitos para o desemprego, para a miséria social, para situações críticas que, até há bem pouco tempo, julgávamos impossíveis. As freguesias e os municípios foram, desde logo, as primeiras a lidar com o impacto da pandemia quando nos vimos todos confinados há quase um ano atrás. Os executivos, os eleitos locais, as equipas operacionais rapidamente se uniram para combater a disseminação e o contágio do vírus. Toda a atenção se voltou para tentar travar o avanço da pandemia, procedeu-se à desinfeção dos espaços públicos, dos equipamentos e infraestruturas públicas, mas também à disponibilização de equipamentos de proteção individual, de máscaras e luvas que desapareciam rapidamente das prateleiras dos supermercados, e até do álcool-gel ou soluções desinfetantes que se tornavam um bem escasso, mas que era absolutamente fundamental para garantir a segurança mínima dos poucos espaços comerciais que permaneciam abertos por serem provedores de bens essenciais.

O apoio direto às familias, o suprimento das necessidades básicas dos idosos, fomos e somos a bandeira da governação que se diz presente, que mostra o rosto, dá a cara, para o bem e para o mal. 

Aqui e ali encontravam-se soluções, mais ou menos efetivas, que visavam recuperar tão breve quanto possível a ‘normalidade’. Mas, apesar de todos os esforços, a normalidade não regressou. Estamos todos em estado de prontidão, de emergência de combate a um inimigo que se transmuta e transmite cada vez a maior velocidade, e que não dá tréguas. E, quando as demos, fomos atingidos como nunca, chegando ao estado em que nos encontramos, com um ainda elevado número de mortes diárias. Tanto que ainda falta fazer, tanto que temo falta ainda por passar nesta espuma dos dias convulsa.

A Assembleia da República cedo percebeu o impacto que a pandemia teria no poder local e, para que pudéssemos reagir sem condicionantes, aprovou um quadro legislativo excecional simplificando áreas como a contratação pública e o regime de autorização da despesa, medidas excecionais e temporárias de natureza financeira que nos permitiram reorientar os orçamentos para a emergência sanitária, que antecipava uma emergência social e que trazia à luz do dia uma crise alimentar a que estamos pouco habituados.

Foram muitos os exemplos de autarquias que ganharam visibilidade pública, nas parangonas e em horas de antena televisiva, mas as freguesias, as pequenas formigas que palmilham, passo-a-passo, todos os dias, as ruas, os becos e os lugares mais recônditos e mais próximos de cada um dos nossos cidadãos, não tiveram ainda o justo e merecido reconhecimento. 

Já só pedíamos o justo conhecimento com base no olhar atento sobre a nossa ação permanente e a imprescindibilidade do poder local de proximidade na vida de tantas comunidades.

Somos instituições fruto da democracia participativa, do melhor que a Democracia de Abril nos legou. É aqui que os eleitos, no poder e na oposição, se unem para encontrar as melhores soluções para o bem-comum, para este ‘chão-comum’, como ouvia há tempos no último ‘Prós e Contras’. Tenho a sorte de contar com esta cooperação interpartidária, com a compreensão dos eleitos para as soluções que vamos encontrando para fazer face às várias frentes em que o vírus nos vai ameaçando. Persistimos no debate de ideias, no combate político que nos torna mais pluralistas, mas estamos todos comprometidos com a defesa do Estado Democrático, e isso ficou evidente quando nos mobilizámos todos para garantir, em pleno avanço da terceira vaga da pandemia em Portugal, que a Democracia se cumpria com a eleição presidencial.

A garantia da segurança de todos escondia riscos que sabíamos estar a correr, e são inúmeros os casos de contágio de funcionários, colaboradores e eleitos, que se viram atingidos pela covid-19, e tantos a braços com os seus imprevisíveis, mas duros e incontornáveis, sintomas. Os servidores da causa pública, tantas vezes ostracizados e mal compreendidos, dedicam a sua vida ao dia-a-dia dos cidadãos, e este retrato é mais evidente quanto mais próximo é o organismo em que exercem as suas funções. As freguesias são a linha da frente do Estado, e a primeira linha de retaguarda, que os cidadãos têm no seu relacionamento com o Estado. 

Infelizmente, as Juntas de Freguesia não são reconhecidas pelo trabalho que desenvolvem, são tratadas como filhos de um Deus menor, num sistema piramidal em que a base, nós, Freguesias, mantem uma rede fina de serviços e prontidão inigualável e na maior parte das circunstâncias arriscando, dando corpo, forma e materialidade a politicas públicas que se consubstanciam e têm um reflexo direto na vida de milhares e milhares de cidadãos e cidadãs.

Como foco inspirador de reconhecimento e motivação, deixo uma palavra amiga e fraterna a todos os autarcas de freguesia, funcionários e colaboradores das Juntas de Freguesia que, de Norte a Sul do país, se arriscam prontamente, todos os dias, para que muitos e muitas sintam a proximidade do Estado junto de si e das suas familias.

A todos e todas, um abraço com particulas de força para que os dias dos amanhãs vindouros sejam o reflexo da nossa força conjunta, espelhada nos sorrisos daqueles a quem servimos.

Cuidamos de todos, sem deixar ninguém para trás… mas quem cuida das Freguesias?

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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