Supremo Tribunal do Brasil autoriza acesso da defesa de Lula a mensagens da Vaza-Jato

Advogados do ex-Presidente não vão usar as mensagens trocadas entre procuradores e Sergio Moro no julgamento que põe em causa a imparcialidade do antigo juiz federal. Os juízes não se pronunciaram sobre a admissibilidade das mensagens como prova.

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Defesa de Lula diz que Moro não foi imparcial quando julgou o ex-Presidente Juan Carlos Hidalgo / EPA

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter o acesso da defesa de Lula da Silva às mensagens trocadas entre os procuradores da Lava-Jato e o ex-juiz Sergio Moro durante as investigações. A decisão dá um forte impulso ao objectivo do antigo Presidente de ver as condenações emitidas por Moro anuladas, mas ainda não se sabe se as mensagens podem vir a ser utilizadas em tribunal.

Em causa estava um recurso apresentado pelos procuradores que integravam a equipa da Lava-Jato, que queriam impossibilitar o acesso dos advogados de Lula às mensagens apreendidas no decurso da Operação Spoofing, que está a investigar a captação das comunicações por piratas informáticos. Parte destas mensagens vem sido revelada pelo site The Intercept Brasil e por outros meios de comunicação nos últimos dois anos e mostram que Moro e os procuradores tinham uma relação de extrema proximidade durante as investigações ao antigo Presidente.

Na terça-feira à noite, o STF decidiu por quatro votos contra um que a defesa de Lula podia manter o acesso ao conteúdo das mensagens, tal como o juiz Ricardo Lewandowski tinha decretado em Dezembro.

Os juízes do Supremo deixaram também duras críticas em relação à conduta dos procuradores da Lava-Jato. “Deve causar perplexidade em todos aqueles com o mínimo de conhecimento do que seja o devido processo legal e o Estado democrático”, afirmou Lewandowski, referindo-se ao teor das mensagens. O juiz Gilmar Mendes, que nem sempre foi um crítico da Lava-Jato, disse mesmo estar perante “o maior escândalo judicial da história”, comparando a acção dos procuradores e de Moro às práticas de regimes totalitários.

As mensagens, que ficaram conhecidas como Vaza-Jato, começaram a ser reveladas em Junho de 2019 pelo The Intercept e revelaram uma conduta imprópria de Moro e dos principais procuradores encarregados pelas investigações da Lava-Jato. O então juiz federal seguia de forma próxima as investigações, dava conselhos e até sugestões sobre pessoas a intimar durante a fase de instrução do processo que ele próprio iria julgar na primeira instância – acabou por condenar Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, em 2017.

A sentença é uma vitória importante para Lula que pretende reforçar a tese de que Moro – que condenou o ex-Presidente na primeira instância – não agiu de forma imparcial e de que terá até sido um aliado dos procuradores que o acusavam. No entanto, o advogado Cristiano Zanin Martins disse esta quarta-feira que não pretende utilizar as mensagens no julgamento em curso no STF que avalia a imparcialidade de Moro.

“Nossa avaliação, neste momento, é que já existe prova mais do que suficiente nos autos para o reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro”, afirmou Martins, citado pelo site UOL.

Na sentença de terça-feira, os juízes do STF deixaram de fora a avaliação sobre a admissibilidade das mensagens como prova para ser usada em julgamento – em causa está o possível método criminoso através do qual elas foram obtidas. A defesa de Lula considera que tentar incluí-las no julgamento que avalia a imparcialidade de Moro apenas iria atrasá-lo. Também há o receio de que o julgamento ficasse dominado pelo debate sobre a admissibilidade das mensagens obtidas de forma ilegal, em vez de se centrar na avaliação da imparcialidade do ex-juiz, como quer a defesa. O teor dos comentários dos juízes do STF durante a sessão desta terça-feira mostrou, igualmente, que, embora não as mensagens não sejam presentes como prova, o seu conteúdo terá um peso no desfecho da decisão.

“Certamente [as mensagens] irão reforçar a nulidade dos processos e a inocência do ex-Presidente Lula em relação às acusações feitas pela extinta Lava-Jato”, disse Martins.

O juiz Gilmar Mendes disse esta semana que esse julgamento – que, em teoria, pode anular as condenações de Lula pelo caso do triplex de Guarujá – será retomado a seguir ao Carnaval.

Uma anulação das condenações de Lula iria permitir que o ex-Presidente pudesse ser elegível para se candidatar à presidência no próximo ano, algo que lhe foi vetado em 2018 por Moro.

Moro lamentou a decisão do STF que diz violar “a jurisprudência e as regras que vedam a utilização de provas ilícitas em processos”. O também ex-ministro da Justiça rejeitou sempre ter cometido qualquer irregularidade na forma como se comportou durante as investigações da Lava-Jato e chegou mesmo a questionar a veracidade das mensagens divulgadas.

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