Responsável da ONU denuncia “centenas de detenções” e diz-se alarmado com a violência na Birmânia

Um dia depois dos primeiros disparos com balas de borracha e munições reais contra os manifestantes há uma jovem em morte cerebral num hospital de Naypyidaw, a capital birmanesa. EUA e Japão pedem fim da violência.

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Manifestantes sentados no centro de Rangum, com capacetes para se protegerem LYNN BO BO/EPA
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Pessoal médico que se juntou à campanha de desobediência civil STRINGER
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Algumas jovens marcharam com vestidos de "princesas da Disney" LYNN BO BO/EPA

A polícia e as forças de segurança birmanesas têm a obrigação de se abster de usar força excessiva contra os manifestantes e de saber que “‘seguir ordens’ não é defesa para cometer atrocidades, independentemente do seu lugar na cadeia de comando”, disse o relator especial da ONU para os Direitos Humanos na Birmânia, Thomas Andrews. Nas ruas de várias cidades do país, depois dos disparos de balas de borracha e munições reais da véspera, os protestos contra o golpe militar voltaram a crescer.

“Estou alarmado com os níveis crescentes de violência contra manifestantes pacíficos”, lê-se no comunicado divulgado por Andrews. O responsável afirma que “centenas de detenções arbitrárias” têm sido registadas no país desde o golpe de dia 1 de Fevereiro, com muitos dos detidos mantidos em lugar incerto e sem acesso a advogados ou familiares.

A pedido da União Europeia e do Reino Unido, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU realiza uma sessão especial para discutir a situação na Birmânia na sexta-feira. Um projecto de resolução visto pela Reuters condena o golpe e exige o acesso urgente e “sem restrições” de Andrews ao país. A sua antecessora, Yanghee Lee, foi banida da Birmânia depois de ter descrito como “inaceitável” as suas limitações de acesso às áreas onde vivem minorias étnicas e a intimidação das pessoas com que se reunia.

Apesar da violência, enormes multidões participaram em marchas por todo o país esta quarta-feira, com 100 mil pessoas na rua da capital comercial, Rangum.

De Naypyidaw, a capital, chegou a notícia de que alguns dos manifestantes ali tinham sido hospitalizados na véspera foram atingidos com balas de metal – e não de borracha, como começou por ser divulgado. Segundo um médico ouvido pela organização Human Rights Watch, Mya Thwate Thwate Khaing, de 19 anos, tem “um projéctil alojado na cabeça e mostra uma perda significativa de funções cerebrais”. Noutro relato, obtido pela ONG birmanesa Fortify Rights, um médico diz que a manifestante está em morte cerebral. A BBC Birmanesa falou com um médico do mesmo hospital, na capital, que conta que outro manifestante chegou com ferimentos idênticos no peito.

A polícia começou por usar canhões de água contra os manifestantes que se juntaram na terça-feira em Naypyidaw. Estes não dispersaram e ter-se-ão seguido tiros de aviso para o ar, antes de serem disparadas balas de borracha contra a multidão. Mas por entre estes disparos também afinal disparadas munições verdadeiras.

Também houve manifestantes feridos em Mandalay, a segunda maior cidade do país, onde a polícia deteve umas 200 pessoas na terça-feira, e noutras cidades.

Um pouco por todo o país, a atitude das forças de segurança face às manifestações contra o golpe derrubou o Governo civil de Aung San Suu Syi endureceu na terça-feira, levando o Departamento de Estado norte-americano a condenar o uso da força e a anunciar que vai rever a assistência à Birmânia para garantir que os responsáveis pelo golpe enfrentam “consequências significativas”.

Num telefonema, o secretário de Estado de Joe Biden, Anthony Blinken, e o ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, condenaram os disparos contra manifestantes e concordaram em exortar as autoridades a “pararem imediatamente com a violência”, diz o Ministério de Tóquio.

Sem protestos “haverá mais sangue”

“Não podemos ficar quietos”, diz à Reuters Esther Ze Naw, que a agência descreve como umas das jovens líderes da contestação. “Se houver derramamento de sangue durante os nossos protestos pacíficos, haverá ainda mais se os deixarmos assumir o controlo do país.”

Ao mesmo tempo, continuam a ver-se grandes números de funcionários públicos que saem à rua para se juntar à campanha de desobediência civil que desde sexta-feira conta com professores, médicos, advogados, bombeiros ou enfermeiras.

Em Loikaw, a capital do estado de Kayah, um vídeo divulgado nas redes sociais mostra uns 40 polícias que se juntam aos protestos exibindo uma faixa onde se lê: “Membros da força policial da Birmânia estão com os civis”. Outros agentes seguram um poster onde está escrito “Não precisamos de ditadura militar”. Há mais imagens de grupos de polícias ao lado de manifestantes noutras zonas.

Apesar da violência, muitos dos que saem à rua usam o humor e a ironia nos cartazes que levam consigo. Numa praça no centro de Rangum, onde estão proibidos os ajuntamentos de mais de cinco pessoas, centenas de jovens acamparam na relva em grupos de quatro e cinco enquanto cantam “Somos jovens, todos temos futuro”, descreve a revista local Frontier Myanmar.

“Princesas da Disney”

“O nosso casamento não pode esperar, a democracia também não”, lê-se num cartaz transformado por um jovem casal, ela de vestido de casamento, ele de fato, numa fotografia em Rangum que circula no Twitter. Na mesma cidade, umas 100 manifestantes, quase todas estudantes universitárias ou recém-licenciadas, decidiram sair à rua vestidas como “princesas da Disney”. “Queremos mostrar que as raparigas também participam contra o golpe. Pensámos que estes vestidos eras a forma mais óbvia de o fazer”, afirmou uma das manifestantes ao jornalista da Frontier Myanmar.

Desafiando a lei marcial e a proibição de ajuntamentos anunciadas em vigor desde segunda-feira à noite em diferentes cidades e bairros, os manifestantes têm cumprido o recolher obrigatório, imposto entre as 20h e as 4h, optando por bater tachos

Ainda na terça-feira à noite a polícia forçou a entrada na sede da Liga Nacional para a Democracia (NLD), o partido de Suu Syi, a Prémio Nobel da Paz de 1991 que está detida desde dia 1, assim como vários responsáveis locais e dirigentes do partido.

A NLD preparava-se para iniciar o seu segundo mandato no dia do golpe, depois de ter vencido as eleições de Novembro com maioria absolutaMin Aung Hlaing, até agora chefe do Estado-Maior General, diz ter agido precisamente por causa de fraude generalizada na ida às urnas, mas não há provas que apoiem as acusações.

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