Manifestantes desafiam lei marcial e avisos dos generais na Birmânia

Ao quarto dia de protestos contra o golpe militar que derrubou o Governo de Suu Kyi, pelo menos quatro pessoas atingidas por balas de borracha foram hospitalizadas. Nova Zelândia corta laços com a Junta Militar.

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Em Rangum, muitos já saíram de casa preparados para os canhões de água NYEIN CHAN NAING/EPA
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Manifestantes e polícia frente-a-frente em Rangum NYEIN CHAN NAING/EPA
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Confrontos entre manifestantes e a polícia em Mandalay Reuters

Os avisos dos militares não impediram os birmaneses de sair à rua pelo quarto dia consecutivo de protestos, ao mesmo tempo que o movimento de desobediência civil continua a crescer, afectando hospitais, escolas e repartições públicas. Depois de ter proibido os ajuntamentos nas principais cidades e declarado a lei marcial em diferentes zonas de Rangum, a polícia começou esta terça-feira a disparar tiros de aviso para o ar e balas de borracha na direcção dos manifestantes.

Como na véspera, as forças de segurança usaram canhões de água para tentar dispersar multidões. Os jactos de água deixaram alguns manifestantes feridos, mas não fizeram ninguém arredar pé das manifestações em Rangum, a maior cidade e capital económica da Birmânia, ou da capital, Naypyidaw.

Em Naypyidaw, as balas de borracha disparadas em seguida pela polícia levaram milhares a fugir, antes de regressarem aos pontos de concentração. Um médico citado pela agência Reuters diz que, dos quatro feridos no seu hospital que foram atingidos por balas de borracha, há uma mulher que deu entrada com um ferimento na cabeça que está em estado grave.

Já em Mandalay, a segunda maior cidade do país, foram detidas mais de 200 pessoas, incluindo um jornalista, com a polícia a disparar igualmente canhões de água e balas de borracha, diz a revista Frontier Myanmar na sua página no Twitter. Os manifestantes responderam aos jactos de água atirando à polícia os objectos que tinham à mão e houve confrontos.

Em geral, as descrições que vão chegando apontam para uma resposta aos protestos muito mais dura do que nos dias anteriores. Nada que os manifestantes não esperassem – muitos saíram de casacos de chuva, sapatos de corrida e chapéus duros, incluindo capacetes, para estarem protegidos.

O tom tinha sido dado na véspera, com a televisão estatal a interromper o silêncio com que começou por tratar as maiores manifestações numa década: “Acções devem ser tomadas […] contra as infracções que perturbam, impedem e destroem a estabilidade do Estado”, avisara-se na segunda-feira à noite.

“Os avisos não nos assustam, é por isso que saíamos hoje. Não podemos aceitar a desculpa deles de fraude eleitoral”, afirmou à AFP Thein Winun, um dos professores que se manifestava em San Chaung, no centro de Rangum. “Não queremos uma ditadura militar.”

Foi no dia 1 de Fevereiro que o Exército afastou do poder o Governo civil liderado por Aung San Suu Syi e pela sua Liga Nacional para a Democracia (NLD), a pretexto de fraude nas eleições de Novembro (sem apresentar quaisquer provas), que o partido da Prémio Nobel da Paz venceu com maioria absoluta. Para além de Suu Syi, mais de 150 pessoas, entre deputados, responsáveis locais e activistas dos direitos humanos, continuam detidos, segundo a Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos, com sede em Rangum.

“Escravos da ditadura”

Na rua, como nos dias anteriores, estão pessoas de todas as idades e profissões (professores, enfermeiras, advogados, médicos, bombeiros, monges…), mas acima de tudo muitos jovens. Soe Aung, um activista dos direitos humanos que vive na Tailândia, disse à Al-Jazeera que é encorajante ver tantos jovens a liderar os protestos, antecipando que não será fácil pôr-lhes fim.

“Penso que eles [os generais] estão a tentar assustar os manifestantes por vários meios mas os manifestantes estão muito determinados”, afirma. “Mais importante, não são só estudantes e jovens, mas também as minorias étnicas em diferentes partes do país”, diz Soe Aung. “Eles não podem recuar agora. Sabem que se o fizerem serão escravos da ditadura para sempre.”

Na memória de todos está a repressão brutal com que os militares reprimiram os anteriores movimentos de contestação, em 1988 e em 2007, deixando milhares de mortos.

“À medida que as manifestações pacíficas crescem, o risco de violência é real. Todos sabemos do que o Exército da Birmânia é capaz: atrocidades em massa, assassínio de civis, desaparecimentos forçados, tortura e detenções arbitrárias”, diz Tom Villarim, membro dos Parlamentares pelos Direitos Humanos da ASEAN, em conversa com a Al-Jazeera.

Investimentos e contactos

A Birmânia integra a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) desde 1997. Apesar de ter por hábito evitar comentar os assuntos internos dos seus membros, em 2007 os seus ministros dos Negócios Estrangeiros disseram-se “chocados” pela violência dos militares e a pressão da organização conseguiu, por exemplo, que fosse autorizada a entrada na Birmânia do enviado especial da ONU. Villarim acredita que cabe a esta associação de dez países usar a sua influência com a Junta Militar.

Entretanto, um grande empresário de Singapura, Lim Kaling, anunciou que vai abandonar o seu investimento numa companhia de tabaco ligada aos militares birmaneses. E a Nova Zelândia suspendeu todos os contactos políticos e militares de alto nível com o país, anunciando que vai garantir que a ajuda do país não beneficia os militares e banindo os seus líderes de viajarem para território neozelandês.

A pedido da União Europeia e do Reino Unido, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU vai realizar uma sessão especial para discutir a situação na Birmânia na sexta-feira.

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