Este Governo que nos diminui

O país está a afundar-se. Ao atual Governo pede-se que, em vez de tentar salvar o orgulho ferido e as clientelas, seja responsável. Por mais que custe a alguns, esse orgulho é menos importante que as nossas vidas.

Para que serve um governo?

Para liderar, para fazer de uma comunidade um lugar melhor. Para, nas situações adversas, responder assertivamente e inspirar confiança.

É na capacidade de resposta às dificuldades que se reconhece os verdadeiros líderes.

E a resposta às dificuldades deixa, hoje, muito a desejar.

Portugal é um país antigo, que já enfrentou glórias e tragédias. Atos de bravura delinearam a nossa fronteira continental e a capacidade empreendedora que nos levou às cinco partidas do mundo. Terramotos, guerras, ditaduras, diminuíram-nos. Chegámos a 25 de Abril de 1974 com parâmetros de desenvolvimento muito baixos e desigualdades muito elevadas. A democracia trouxe-nos o Estado Social, os serviços públicos de educação, saúde, cultura. Com a União Europeia veio estabilidade, confiança, uma maior e melhor porta de entrada para o mundo. Pelo meio, tivemos o aumento significativo da dívida pública, das empresas e das famílias, intervenções externas a revelar a nossa incapacidade de autogoverno. Aconteceram entre 1975-79, com a liderança de Mário Soares, Nobre da Costa e Mota Pinto. Entre 1983-85, com Mário Soares e Mota Pinto. Entre 2011-15, com Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Apesar das melhorias significativas das últimas décadas, continuamos uma sociedade desigual, com baixos níveis de remuneração, de produtividade, de produção de bens transacionáveis, insustentabilidade dos custos do nosso Estado Social e do futuro das pensões. Uma sociedade envelhecida, dividida entre Litoral e Interior.

No fim de 2015, começou um novo período para o país. António Costa rompeu a barreira que Mário Soares tinha estabelecido, aliando-se ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda para formar governo. Aumentou as remunerações da função pública, colocou o Estado como maioritário na TAP, fez um acordo para a venda do Novo Banco. Para pagar os aumentos estruturais de despesa pública e não crescer o défice, foi decidido baixar o investimento a níveis que há décadas não se via. As despesas dos ministérios foram cortadas de forma significativa. Parte da despesa pública nacional foi passada para as autarquias locais através de medidas de descentralização que não entregaram aos municípios os envelopes financeiros correspondentes às responsabilidades que estes assumiram, mas que aligeiraram as contas públicas nacionais. A lufada de ar fresco que correspondeu ao acréscimo significativo do turismo criou a ilusão de um país próspero e cosmopolita. O beneplácito da comunicação social, que tinha tratado muito mal o governo Passos Coelho, deu aos Portugueses a ideia de que, conforme a narrativa dominante, os maus tinham ido embora e os bons tinham chegado. Vivemos entre 2016 e 2019 uma espécie de Primavera.

Mas nenhuma mudança estrutural aconteceu. Os jovens, nomeadamente os mais qualificados, continuaram a emigrar. A aposta no crescimento por via do consumo e não por via do investimento agravou a balança externa e deu a ilusão de um bem estar que a classe média, efetivamente, não tem condições de sustentar. O aumento exponencial do custo da habitação, o custo elevado dos bens essenciais, da energia e dos combustíveis, do nível muito alto de fiscalidade, fizeram do país um paradoxo entre aparência próspera e uma realidade dura para a maior parte da população. E com a legitimação da extrema esquerda feita pelo Partido Socialista de António Costa, veio a legitimação da extrema direita, com 500.000 votos nas presidenciais. Ao mesmo tempo, parece que há uma apagão do centro direita. Dá-se alvíssaras a quem souber onde se posiciona o PSD, como alternativa política credível.

E, de repente, para mal de todos nós, aconteceu a covid-19.

Portugal teve um bom desempenho em Março e Abril de 2020. O confinamento foi efetivo. Não por causa de nenhum sentido de disciplina dos cidadãos ou organização do Estado. O confinamento funcionou porque os Portugueses estavam a gostar de estar em casa ou com medo de lá sair. O sol do Verão, com o estímulo público dos mais altos dirigentes do Estado, convidou os Portugueses a ir a banhos. Os números de contágios começaram a subir em Setembro. Apesar de o crescimento ser evidente em Novembro, os decisores públicos estimularam as reuniões familiares do Natal, sem condicionantes efetivas. Entretanto, Portugal, país com estreitas relações com o Reino Unido, Brasil e África do Sul, foi recebendo tudo o que havia a receber de mutações virais. O controlo aeroportuário, durante este período todo, foi, efetivamente, perto de zero. Situação ridícula (e grave) ocorreu com as razões enunciadas pelas quais as escolas deviam estar abertas ou as escolas deviam fechar. O desatino de argumentos e contra-argumentos a favor de decisões contraditórias no prazo de duas semanas revelou a desorientação reinante, do primeiro-ministro, do ministro da Educação, da ministra da Saúde. Não deixar, entretanto, que as escolas privadas e as escolas públicas dotadas de meios para o efeito pudessem continuar as aulas com ensino à distância é miserável. Depois de se defender que as escolas deviam ficar abertas para salvar uma geração, impedir que parte dela possa aproveitar dos meios disponíveis, só porque o Governo não foi capaz de cumprir a promessa de dotar todo o sistema escolar público de meios para o ensino à distância, é revelador do cinismo, nepotismo e impunidade reinantes. Num país quase inteiramente dependente do Estado, poucos protestaram, não se vá perder os contratos, o emprego, as rendas.

E chegámos a este glorioso feito: Portugal, país com os piores indicadores de contágios e mortalidade provocados pela covid-19 a nível mundial.

Não é preciso ser muito sagaz para dizer que, por mais que o nosso atual (des)governo se esconda através de desculpas e expedientes, o rei vai nu.

Podíamos ter protegido mais e melhor os nossos cidadãos, as nossas empresas, o nosso sistema de saúde? Sim. E não vale a pena usar argumentos do género “deixem-nos trabalhar” ou “isso são palavras de treinador de bancada”.

O planeamento que deviam ter sido feito durante 2020 para evitar o descontrolo de contágios, para articular, atempadamente, os recursos hospitalares e o sistema de saúde em geral; para gerar programas de incentivo e segurança no trabalho para as atividades económicas, culturais e sociais; para evitar o colapso do turismo, da restauração e dos eventos; para proteger o estado psicológico e a ânima dos Portugueses... falhou.

Como é possível? Porque os líderes no Governo e nos serviços dependentes não estão à altura. Vendo o atual responsável do Hospital de Santa Maria a falar com a ligeireza que nos (des)orienta da fila de 40 ambulâncias à entrada das urgências, a ministra da Saúde a acusar de atos criminosos quem critica a má gestão, ou o primeiro-ministro de falta de patriotismo  quem denuncia atos inaceitáveis de desinformação a nível europeu, não nos pode dar ilusões.

Finalmente, Portugal tinha, nestes meses, um momento para brilhar na cena internacional: o semestre da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia. No momento em que os olhos da Europa estão aqui, dirigentes e funcionários europeus, dignitários de todo o mundo, devem ter medo de aterrar em Lisboa. As atividades políticas de grande visibilidade da presidência portuguesa estão comprometidas.

Portugal está mais pequenino. Aqui dentro, estamos encolhidos, sabendo que os líderes nacionais não têm mão no que se está a passar. No estrangeiro, todos reparam no desastre que estamos a viver, que afasta turismo, investimento, pessoas, bens e serviços.

Este Governo diminui-nos. A esquerda do PS vem pedir a união das esquerdas, aflita com a possibilidade de um governo de emergência nacional (que o sentido de Estado deveria levar a ponderar de forma urgente).

O país está a afundar-se. Ao atual Governo pede-se que, em vez de tentar salvar o orgulho ferido e as clientelas, seja responsável. Por mais que custe a alguns, esse orgulho é menos importante que as nossas vidas. Os próximos anos vão ser muito difíceis para muita gente. Só um grande sentido de coesão, a mobilização da sociedade civil e das empresas, lideradas por um governo empreendedor e visionário, podem evitar o desânimo e a pobreza de largas faixas da população e empreender uma retoma robusta e redistributiva. De fórmulas e pessoas gastas não se pode esperar outra coisa que aquilo que demonstram. É dos livros.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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