Cartas ao director

Dia de S. Senhorio

Tenho um pequeno negócio e sim, está fechado e não, não sei quando vai reabrir. Tenho uma renda para pagar e sim, paguei-a quinta-feira à noite e não, o meu senhorio não telefonou a agradecer nem sugeriu que pagasse lá mais para diante, quando o sol reabrisse. Há uns apoios aos senhorios, disfarçados de apoios aos inquilinos e não, já analisei o assunto e não tenho direito a eles por causa da burocracia, coitado do meu senhorio.

Estamos em guerra e a nossa economia está a tornar-se numa economia de guerra. Em todas as guerras há uns que ficam à chuva permanentemente, outros que estão sempre resguardados e outros ainda há que, por ora, estão debaixo de telha mas que, um destes dias, vão ter de vir cá fora ver se ainda está a chover.

É o caso dos senhorios, para já calmamente sentados em cima dos seus contratos de arrendamento, feitos quando o sol estava radioso, muitos deles draconianos porque contratados com candidatos a empresários sem capacidade negocial. E sim, possivelmente vou fechar o meu negócio e entregar a chave ao senhorio e não, não tenho esperança que ele me devolva a caução. Porque sim, o meu contrato é mesmo daqueles draconianos e tem uma cláusula que me obriga a cumprir um número mínimo de rendas e não, esse período ainda não está cumprido. 

E sim, pró mês que vem temos outra vez festa de S. Senhorio!

José Pombal, Vila Nova de Gaia

Interrupção lectiva

Enquanto aguardava pela decisão relativa ao funcionamento das escolas aproveitava para definir estratégias de trabalho com os meus alunos para um futuro que se adivinhava online. A dada altura, um jovem de 16 anos interrompeu-me dizendo que tinha acabado de ouvir a conferência de imprensa do primeiro-ministro e que este tinha falado de uma interrupção lectiva de 15 dias, por isso não ia haver aulas online. Simples… parece que não. Uma interrupção lectiva é uma interrupção lectiva, desde sempre decretada pelo Ministério de Educação quando define o calendário lectivo anual e nunca alvo de tanta polémica como a que correu nos últimos dias. Todos os que andam ou andaram na escola sabem que durante esse período não tem aulas, o que não significa que os alunos não possam fazer trabalhos de casa e os professores não possam ter acções de formação ou reuniões pedagógicas. No fundo é aquele período do ano lectivo a que toda a gente, erradamente, chama de férias de Natal, Carnaval ou Páscoa, talvez daí a confusão.

Pouco me interessa as razões que levaram o ME a decretar esta medida, mas o ruído que se criou à volta da decisão, só serve para empolar a clivagem, que está na moda, entre público e privado que mais não é do que o reflexo de uma sociedade que teima em dividir-se em “nós e ou outros”. Acredito profundamente que a simples catalogação em “anjos e demónios” é demasiado simplista para uma sociedade tão complexa como aquela em que vivemos. No meio disto tudo, o aspecto essencial não foi referido: e a solidariedade entre estudantes, onde fica? Esse princípio que nos fartamos de ensinar, mas que teimamos em não usar como determinante das nossas acções e assim, através do exemplo, promover uma efectiva aprendizagem. Faria sentido que uns estivessem em aulas e outros não? Alguém perguntou aos estudantes do ensino privado se eles queriam ter esse privilégio em relação aos seus colegas das escolas públicas, com quem muitos vão, dentro de poucos meses, entrar em pé de igualdade para o concurso de acesso ao ensino superior?

Agarramo-nos ao imediato e à alegada falta de computadores como se isso resolvesse tudo, sobretudo nesse imenso Portugal, que está fora dos grandes centros urbanos, e onde a oferta de ensino privado é escassa, tal como o acesso a uma Internet com qualidade suficiente para que o computador possa ter uso. Esses serão sempre “os que ficam para trás” e depois, deitamos as mãos à cabeça com resultados eleitorais que nos desagradam. Mais útil do que andarmos com discussões espúrias sobre o significado da palavra “interrupção lectiva”, seria usarmos as nossas energias para discutir o que deve ser a “aprendizagem à distância”, é que não basta ter um computador: é preciso saber como o usar com o propósito de ensinar e de aprender. Por último, para mostrar que não entro no jogo dos “bons e maus”, gostaria de deixar um elogio às editoras de manuais escolares que, à semelhança do que fizeram em Março passado, voltaram a disponibilizar gratuitamente os seus recursos digitais: eis um exemplo de solidariedade.

Catarina Vasconcelos Cachapuz, Porto

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