Sector dos resíduos teme que a UE trave expansão da incineração de lixo

Avaler, associação que representa as empresas que produzem energia a partir da queima de resíduos, escreveu carta a eurodeputados portugueses, pedindo atenção para documento que é votado esta segunda-feira no Parlamento Europeu.

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A Lipor tem capacidade de incinerar 375 mil toneladas de resíduos. Portugal queima um milhão de toneladas por ano Adriano Miranda

As empresas portuguesas que exploram unidades de incineração de resíduos urbanos (RU) recusam ver limitada a capacidade nacional de queima de lixo. Nesta segunda e terça-feira, o Parlamento Europeu vota um relatório da Comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar sobre o Plano de Acção para a Economia Circular e a associação que representa o sector, a Avaler, escreveu aos eurodeputados portugueses alertando para uma das recomendações nele contidas, que propõe uma gestão europeia desta forma de eliminação de RU. Algo que que, dizem, beneficiaria os países do Norte da Europa, onde há capacidade excedentária instalada.

A Avaler tem quatro associados com unidades de valorização energética a partir da incineração de resíduos urbanos: a Lipor, no Grande Porto, a ValorSul, na Grande Lisboa, a ARM, na Madeira, e a Teramb, na Ilha Terceira. Mas são os dois grandes sistemas do Continente os que, tendo ambições de expandir a capacidade de eliminação de resíduos por esta via, mais temem os efeitos de um travão europeu à construção de novas unidades. 

O sector tem actualmente capacidade para queimar 20% dos RU produzidos pelos portugueses e, tendo em contas as metas europeias que impõem, para 2035, a reciclagem de 65% dos resíduos e a deposição em aterro de, no máximo, 10% do lixo que fazemos, tem defendido que o país deve organizar-se para queimar, no limite, 35% dos RU, deixando, idealmente, de recorrer ao aterro.

O parágrafo 34

Foi isso mesmo que a Avaler, presidida pela Lipor, e representada pelo autarca da Póvoa de Varzim, Aires Pereira, escreveu aos eurodeputados portugueses, numa carta em que centra atenções numa proposta de alteração da Comissão de Ambiente a uma das recomendações dedicadas à reciclagem e gestão de resíduos. Nessa emenda ao parágrafo 34 do relatório, desafia-se a Comissão Europeia a definir uma abordagem “comum para todo o espaço europeu” em relação aos resíduos não recicláveis, para assegurar a optimização do seu tratamento “e evitar a construção de capacidade excessiva, a um nível europeu”. Algo que, lê-se, “poderia gerar bloqueios e dificultar a economia circular”. 

Havendo capacidade de incineração em excesso, teme-se que a tentação de assegurar o funcionamento dessas instalações, queimando mais lixo, acabe por prejudicar os esforços de reciclagem e de reintrodução de matérias-primas no mercado, defraudando a urgente necessidade de diminuir a extracção de novos recursos. Aliás, essa tem sido a maior crítica do movimento ambiental, e da associação Zero em particular, à política de gestão de resíduos portuguesa –​ que beneficia a valorização energética de duas maneiras: com um desconto de 75% na taxa de gestão de resíduos a pagar por cada tonelada de lixo queimada; e com uma bonificação no preço pago a estas empresas pela electricidade que produzem.

Mas a Avaler tem outro entendimento. “Ao determinar-se uma análise das capacidades a nível europeu, o que se está a dizer é que os países que não têm capacidade suficiente de valorização energética por incineração (a generalidade dos países do Sul e Leste da Europa) não devem desenvolver a sua capacidade própria e devem utilizar a capacidade dos países que já a possuem (Países do Norte e Centro da Europa)”, escrevem. 

Proposta beneficia países do Norte

O autarca explica que “esta é uma reivindicação antiga dos países do Norte, que é meramente um objectivo de mercado, a que os países do Sul se têm conseguido opor, uma vez que este desiderato lhes é altamente prejudicial e contradiz o princípio de auto-suficiência e proximidade, plasmado na Directiva-Quadro de Resíduos”, escreve Aires Pereira. Um princípio que, pedem, deve ser incluído na nova redacção da recomendação em causa. 

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Os ambientalistas criticam a incineração pelo facto de ser, também, emissora de poluentes Rui Gaudêncio

Ao PÚBLICO, o autarca assinalou que, se o texto ficar como está, vários países, e entre estes Portugal, teriam, para cumprir as metas, de exportar resíduos para serem queimados, com um custo que recairia nas famílias portuguesas. O autarca argumenta que, por muito que se melhore a reciclagem, vai haver sempre material não reutilizável como matéria-prima (o chamado refugo), e que incinerar em unidades modernas, próximas dos pontos de produção do lixo, gera menos emissões de gases com efeito de estufa que o depósito em aterros, para onde ainda vai parar quase 60% dos RU, no nosso país. Com a vantagem, insiste, de obter daí energia eléctrica (noutros países, gera-se também energia para aquecimento). 

Sector “não depende” da tarifa subsidiada

A votação deste relatório no Parlamento Europeu surge numa altura em que os associados da Avaler ainda estão a digerir os efeitos da diminuição do benefício à tarifa de electricidade que produzem – que passou a ser pago pelo Fundo Ambiental, mas com valores decrescentes, até ao final de 2023. A Avaler já refutou as críticas do regulador do sector da energia, notando que este preço subsidiado, cujo excesso deixou de pesar sobre o sistema eléctrico, é uma compensação pelos serviços ambientais, de contributo para as metas de gestão de resíduos, que a incineração garante. 

É por isso que recusa, também, que, agora, por via europeia, lhes seja limitada a capacidade de expansão das duas maiores unidades nacionais. “Defendemos que Portugal deve poder desenvolver a sua capacidade de tratamento de resíduos, em primeiro lugar com uma forte aposta na reciclagem de qualidade, quer multimaterial, quer de biorresíduos, mas também de valorização energética para a fracção residual não reciclável”, insiste o presidente da Lipor e da Avaler, Aires Pereira. 

O autarca assegura que o desenvolvimento dos projectos de ampliação deve ser “sujeito a critérios muito rigorosos de planeamento, de modo a não criar qualquer possibilidade de sobrecapacidade ociosa – da qual estamos longíssimo”, garante. Mas, acrescenta, essa expansão “é essencial para caminharmos no sentido de resíduo zero, como plasmado dos objectivos de política europeia”, escreve na carta enviada aos eurodeputados. 

Críticas ao Governo

Em declarações ao PÚBLICO, o autarca não deixou de criticar o Governo por ter decidido em Outubro passado diminuir faseadamente os apoios à electricidade gerada nas incineradoras – uma medida que os ambientalistas contestaram também, mas por prolongar no tempo a subsidiação. Aires Pereira garante, contudo, que as associadas da Avaler não dependem daquele subsídio, e que apenas o exigem como contrapartida pelos milhões de euros de taxa de gestão de resíduos que o sector paga todos os anos (serão mais de cem milhões em 2025, assinala). 

Por outro lado, o autarca não compreende que o Ministério do Ambiente, que tutela as duas áreas, tenha deixado de fora deste esquema de preço bonificado o biogás de aterro e o biogás obtido pela digestão anaeróbia de resíduos orgânicos em cetrais próprias, precisamente aquelas formas de energia com maior valia ambiental, por evitarem, por exemplo, emissões de metano, um gás com um poder de efeito de estufa muito superior ao do CO2.

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