A articulação entre tutelas da agricultura, florestas e património tem de ser automática, defende arqueólogo

Não se compreende que não haja, no século XX, alertas em tempo real, critica Francisco Sande Lemos, a propósito da destruição de sítios arqueológicos em Vila Velha de Ródão por causa de projectos agro-florestais.

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Património arqueológico português continua em risco por falta de protecção no terreno daniel rocha

Os casos de destruição de património em áreas agrícolas e florestais sucedem-se. Títulos como “Anta do neolítico foi arrasada intencionalmente para plantar amendoal”, “Sítios arqueológicos em Évora destruídos para plantar amendoal intensivo”; ou “Postes da EDP pivots de rega e gado devassam antas em Avis” encabeçam algumas das notícias de que o PÚBLICO vem dando conta, acompanhadas por uma reacção, já do início do mês, por parte do director-geral do Património Cultural (DGPC), Bernardo Alabaça. Que, perante estes casos, admitiu no Parlamento, que o problema é extensível a todo o país, e que a DGPC não tem meios para vigiar estes atentados.

A propósito das situações semelhantes detectadas em Vila Velha de Ródão, a directora regional de Cultura do Centro, Suzana Menezes, recorda que no final do ano passado “foi celebrado um protocolo entre o Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas (IFAP), a Autoridade de Gestão do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente para o período 2014-2020 (AG - PDR2020) e a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que prevê a conjugação de esforços e recursos de forma a estabelecer uma actuação preventiva na salvaguarda do património arqueológico, em articulação com a execução do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente”. 

Esse protocolo, acrescenta, “prevê ainda a comunicação prévia à DGPC e às Direcções Regionais de Cultura do Norte, Centro, Alentejo e Algarve das candidaturas em análise, cuja área de incidência se localize nas respectivas circunscrições territoriais e integre no seu perímetro património arqueológico georreferenciado”. No entanto, o próprio Bernardo Alabaça assumiu, no Parlamento, que “quer o IFAP, quer o PDR2020 não aceitaram o mecanismo de inventário do património arqueológico” que a DGPC tem à sua disposição, porque “entenderam que não tinha sido sujeito a audiência de interessados”, junto dos donos dos terrenos.

Muito património fora dos PDM

Para efeito da instrução dos pedidos de licenciamento, as entidades responsáveis, como as direcções de agricultura ou o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas consultam os municípios relativamente ao enquadramento de cada operação no respectivo Plano Director Municipal. Mas se em Vila Velha de Ródão, que até tem uma boa e detalhada carta do património, os resultados são os que a tutela do património vem verificando, noutras autarquias, o caso é ainda pior, pois o património inventariado que não esteja classificado nem sequer é transposto para as plantas, como explicou, nessa audição parlamentar, Bernardo Alabaça. 

Estas dissonâncias entre organismos do estado, e entre entidades do estado central e local não surpreendem o arqueólogo Francisco Sande Lemos, que trabalhou, no início da carreira, na operação de salvamento arqueológico do imenso património que ia ser engolido pela albufeira da Barragem de Fratel, em Vila Velha de Ródão. Mas este professor jubilado da Universidade do Minho entende que, em pleno século XXI, já não faltam ferramentas tecnológicas para cruzar informação entre os vários ministérios, de modo a permitir um alerta em tempo real, sempre que num dos organismos licenciadores, entra um pedido para intervenção num terreno com vestígios já referenciados. Isto tinha de ser automático, de modo a que a tutela do património pudesse acompanhar o processo do início e garantir que se fizessem as necessárias sondagens, insiste. 

O especialista no período romano considera que, com o tanto que se fala em digitalização dos serviços e da economia, seria tempo para aproveitar os fundos da chamada bazuca europeia para modernizar procedimentos e acabar com estas barreiras entre departamentos do Estado que, no final, resultam numa paisagem em que o património acaba destruído. Uma situação que se torna ainda mais grave perante a incapacidade de acorrer a todas as situações. “Os serviços no terreno estão esqueléticos”, lamenta o arqueólogo que, no início da carreira, ainda como estudante, fez escavações e trabalhos de salvamento das gravuras rupestres no Tejo, antes do enchimento da albufeira da barragem do Fratel, em 1972. 

 
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