Sociedade Harmonia Eborense recorre ao crowdfunding para resistir à crise

Espaço de concertos e outras actividades culturais recebeu doações no valor de quase 15 mil euros nos últimos nove dias. Dinheiro deverá ser suficiente para pelo menos seis meses de relativa tranquilidade, perspectiva a direcção da associação sem fins lucrativos.

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A SHE celebrará 172 anos em Abril Gustavo Val Flores

“Esta é a publicação que nunca esperámos ter de escrever”, anunciou a direcção da Sociedade Harmonia Eborense (SHE) a 31 de Janeiro, num comunicado partilhado no Facebook. A associação sem fins lucrativos, um dos mais antigos e reconhecidos espaços culturais de Évora, tem carregado a mesma cruz que tantas outras casas espalhadas pelo país: sofreu um rude golpe com o segundo confinamento geral e está a acumular dívidas desde o primeiro. Foi por isso que, nesse dia 31 de Janeiro, lançou na plataforma GoFundMe uma campanha de crowdfunding, esperando conseguir reunir o dinheiro necessário para se manter viva neste contexto de inactividade forçada. Decorridos apenas nove dias, já foram doados quase 14.500 euros (a meta traçada foi de 15 mil euros).

“O ano de 2020 trouxe um desafio sem precedentes na história da humanidade. O sector da cultura e da promoção cultural viu-se privado do que o alimenta: os públicos. A(s) sociedade(s) reinventaram-se para combater uma pandemia que continua a não dar tréguas, aumentando diariamente a avalanche de encerramentos de espaços centenários que tanto ofertaram à cultura nacional. A SHE não é excepção”, pode ler-se no texto que a direcção escreveu no GoFundMe. “Precisamos da vossa ajuda. Infelizmente, o espaço que a SHE ocupa não é seu. A SHE é inquilina e refém de uma elevada renda que, dentro do contexto actual, a amordaça. Lançamos esta campanha de forma a poder reunir o montante que nos proporcione mais seis meses de actividade”, explicam os responsáveis pela associação. “Queremos continuar a ser.”

Imagem do interior da SHE Maria Marques/SHE
Imagem do interior da SHE Rafael Espingardeiro
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Imagem do interior da SHE Maria Marques/SHE

Iniciativa própria

A história dos últimos 11 meses da Sociedade Harmonia Eborense, que acolhe múltiplas actividades culturais, designadamente concertos, sessões de cinema, exposições, tertúlias e oficinas, é idêntica à de praticamente todas as outras salas que com ela compõem a rede de espaços culturais do país. Depois do congelamento de Março, explica ao PÚBLICO Pablo Vidal, presidente da actual direcção, a associação só voltou a apresentar uma “programação regular” a 31 de Julho. As actividades organizadas até Janeiro de 2021 aconteceram sempre para lotações de não mais que 40 pessoas — e essa programação, destaca Vidal, só foi possível “por iniciativa própria” dos artistas locais e pela vontade que estes demonstraram de “dinamizar a casa pro bono”. Mas, mesmo com a casa aberta e as quotas dos sócios — há neste momento 500 a 600 sócios efectivos com as quotas de 1,5 euros mensais em dia e mais de 1400 com quotas em atraso —, a SHE registou “quebras mensais significativas”.

O “dinheiro de reserva” que o espaço eborense guardara para emergências antes da pandemia foi quase todo gasto em 2020. “Chegámos ao novo confinamento sabendo que quase certamente ia durar mais do que apenas 15 dias. E, desconfinemos nós daqui a mês e meio ou dois meses, as condicionantes vão ser as mesmas. Vamos continuar a ter de trabalhar para lotações limitadas, vamos continuar a ter quebras. O crowdfunding é o nosso garante”, refere Pablo Vidal.

A SHE gasta “quase 2300 euros mensais” com a renda e tem também outras despesas, como as várias contas da casa e o salário do único funcionário que recebe um ordenado fixo neste momento (funcionário esse que actualmente está em layoff). Com o dinheiro da campanha, Pablo Vidal perspectiva pelo menos “seis meses” de sobrevivência, mesmo que a SHE se mantenha sem programação. “Se trabalharmos a meio gás, que é o máximo permitido pela pandemia, temos mais tempo.”

O presidente da associação sem fins lucrativos, que celebrará o seu 172.º aniversário a 23 de Abril, reconhece que não estava à espera que a meta dos 15 mil euros fosse atingida tão rapidamente, salientando que tem recebido muitas mensagens “encorajadoras” dos quase 700 doadores que já contribuíram. “Ficámos muito surpreendidos com a generosidade e a expressão da ajuda. Há mesmo muita malta, aqui e lá fora, a querer que a casa não feche”, afirma. “Até me disseram que tinham conhecido a pessoa com quem vivem na SHE. Queremos continuar a ser um ponto de encontro, queremos continuar a ser um pólo dinamizador da cultura em Évora. Este sector não pode morrer.”​

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