Um ano depois de sair do Livre, Joacine faz balanço positivo mas diz que “há muito para mudar”

A 3 de Fevereiro de 2020 chegava ao fim uma guerra interna entre a direcção do Livre e a sua única deputada eleita nas legislativas de 2019. Um ano depois, as duas partes acreditam que estão melhor separadas. E nenhuma delas pronuncia o nome da outra.

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Joacine Katar Moreira foi eleita deputada do Livre pelo círculo de Lisboa daniel rocha

Há um ano, Joacine Katar Moreira perdia a confiança política do Livre, deixando assim o partido sem qualquer representação na Assembleia da República, quatro meses depois da sua estreia parlamentar. Hoje, a deputada não-inscrita admite que temeu pelas limitações ao trabalho que conseguiria realizar sem estar associada ao seu antigo partido e assume que foi um ano “muito desafiante a vários níveis”. Em resposta ao PÚBLICO, Joacine Katar Moreira lembra o seu papel num Orçamento do Estado (OE) que “não poderia nunca ser chumbado” e faz um balanço “positivo”, mas identifica dificuldades, nomeadamente em relação às alterações ao Regimento da Assembleia da República, uma “obra de PS e PSD”. Já a direcção do Livre mantém a convicção de que o afastamento foi a única solução possível e diz que o partido agora está “completamente unido”.

Sem nunca dizer o nome do partido que representou, Joacine defende que agora tem “liberdade para tornar mais audíveis as vozes e preocupações” dos movimentos sociais e da sociedade civil em geral que a contacta em audiências. Além disso, a deputada diz que houve uma “redução de interferências negativas e contratempos” e da “perseguição mediática feroz”.

Depois de um ano a ser apenas a voz de si própria, a deputada não-inscrita afirma que a sua maior aposta foi a agenda pela igualdade e que é “a voz do movimento anti-racista” no Parlamento. Em jeito de avaliação, a parlamentar destaca também o seu contributo em projectos relacionados com a ferrovia, a mineração e as alterações climáticas, bem como as 11 medidas que conseguiu incluir no último OE  através da sua abstenção ― e que obrigaram o Governo a comprometer-se com o aumento de verbas para a saúde mental, o alargamento dos benefícios fiscais do mecenato cultural e a criação de um Observatório Independente do discurso de ódio.

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A eleição de Joacine Katar Moreira representou a estreia do Livre no Parlamento Rui Gaudêncio

A deputada reclama ainda para si o alerta feito em relação “aos lares sem alvará ou ilegais” e lembra o seu apelo contínuo na Assembleia para que não se descurem os valores democráticos e a melhoria da legislação pela igualdade. “A pandemia da pobreza e da desigualdade, que já são antigas, tendem a agravar a pandemia sanitária e estão a ser usadas pelos partidos populistas, que instrumentalizam o desalento das pessoas para minar aquilo que elas mais precisam que é o Estado Social e a própria democracia”, justifica.

Mas nem tudo foi mais fácil. Para a deputada, as alterações ao regimento traduziram-se num maior silenciamento das deputadas não-inscritas “eliminando-as das grelhas de intervenção e dificultando de sobremaneira o trabalho parlamentar”. Em contrapartida, dá exemplos de mudanças que gostaria de ver concretizadas. Depois de ter perdido o seu chefe de gabinete, que em Dezembro deixou o cargo sem qualquer explicação, Joacine queixa-se da “falta de verbas” para assessoria e diz que “isso condiciona o tanto que ainda poderia fazer mais”. A deputada considera ainda injusto que tenha sido financeiramente penalizada quando ficou sem partido apesar de trabalhar “todos os dias ao serviço da população”, enquanto o Livre ficou com toda a subvenção que recebeu nas eleições legislativas apesar de não ter “de prestar contas nem sequer aos eleitores”. “Há muito para mudar”, conclui.

Livre não se arrepende

Em conversa com o PÚBLICO, Pedro Mendonça, membro do grupo de contacto [direcção] afirma que o Livre “não se arrepende” de ter retirado a confiança política à sua única deputada eleita. Nas palavras do porta-voz, o partido “tomou a decisão correcta e fez tudo o que era correcto fazer”. Apesar de ter perdido “eco na política nacional”, o Livre vinca que “esgotou todas as formas para tentar que isso não acontecesse”. Ainda assim, o partido acredita que ganhou “credibilidade”. “Um partido que tem coragem de retirar a confiança política ao seu único deputado é porque leva as coisas a sério”, avalia, acrescentando que essa credibilidade foi sustentada no maior aumento de apoiantes do partido desde 2014, muitos deles “jovens que entraram logo a trabalhar para a candidatura de Ana Gomes”, que o Livre apoiou.

O Livre continua a trabalhar no seu modelo de eleições primárias (que elegeu Joacine) de que não está disposto a abdicar. “É uma questão ideológica”, justifica. “Nas eleições autárquicas serão esperadas mais mudanças”, quer através do reforço do compromisso entre os candidatos e os ideais do partido e da defesa do “programa eleitoral à eleição respectiva”, quer através do aumento de debates para aumentar a exposição de ideias de forma a mitigar a repetição do que marcou a sua primeira “dor” de crescimento.

As limitações de uma deputada não-inscrita

Por ser deputada não-inscrita, Joacine pode fazer parte de duas comissões, tendo escolhido a Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias e a Comissão do Ambiente e Ordenamento do Território (e foi obrigada a deixar de ser efectiva na Comissão dos Assuntos Europeus). A parlamentar integra ainda a subcomissão Reinserção Social e Assuntos Prisionais, a subcomissão da Igualdade e Não-Discriminação e integra nove grupos de trabalho, incluindo a Lei de Bases do Clima, avaliação das condições de trabalho das Forças de Segurança e das Honras de Panteão a Aristides de Sousa Mendes”, descreve em resposta ao PÚBLICO. Além do seu papel na luta anti-racista, Joacine destaca as propostas de alteração à Lei da Nacionalidade, incluindo a gratuitidade do processo de naturalização.

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