Pandemia destruiu 110 mil postos de trabalho temporário, diz associação

Representante do sector pede medidas que protejam trabalhadores contra quem se aproveita dos momentos de crise.

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Andreia Carvalho (arquivo)

A crise pandémica levou à perda de 110 mil empregos na área do trabalho temporário, segundo a Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego e de Recursos Humanos (APESPE-RH).

“Os nossos associados foram muitíssimo afectados desde o primeiro confinamento. Desde Março [de 2020] até à data - e ainda não temos dados de Dezembro - acredito que possamos estar muito perto dos 110 mil postos de trabalho perdidos. Até Novembro eram 103 mil”, garante o presidente da APESPE-RH, Afonso Carvalho.

A trajectória descendente já vinha do último trimestre de 2018 nos setores de actividade representados pela APESPE-RH - agências privadas de colocação, empresas de trabalho temporário, outsourcing, coaching, recrutamento e selecção, orientação de carreiras, formação profissional e consultoria. Porém, a situação “agravou-se muito a partir de Março” de 2020.

“Felizmente estamos a sentir uma viragem nesta curva desde Junho, sobretudo no trabalho temporário e do outsourcing, mas obviamente que ainda estamos em perda comparativamente a 2019”, diz Afonso Carvalho, preocupado com “a criatividade excessiva, para não utilizar outros termos”.

O mesmo representante avisa que é nestas alturas que há quem goste de se aproveitar das oportunidades”, impondo-se a tomada de “todas as medidas para proteger os trabalhadores”.

Neste sentido, a APESPE entregou ao Governo um documento com sete medidas. “O documento já foi entregue ao Governo e estamos a aguardar uma resposta às sugestões que fizemos. Tem havido abertura, eu acho é que agora precisa de haver execução”, considerou Afonso Carvalho.

Em causa está, por exemplo, a regulamentação das actividades do sector, desde a formação ao recrutamento, nomeadamente a avaliação da “capacidade técnica e da idoneidade das pessoas que gerem as empresas”.

“Actualmente qualquer pessoa pode abrir uma agência privada de colocação, simplesmente porque sim. Desde que haja capacidade financeira para apresentar uma garantia, ninguém vem questionar e depois validar ou auditar se tem competência técnica, experiência profissional, nada, e isso é que é grave”, sustentou.

No caso das agências privadas de colocação, por exemplo, a declaração de idoneidade exigida “restringe-se única e exclusivamente a dívidas aos trabalhadores, ao fisco ou à Segurança Social”.

Como resultado, acontecem situações irregulares como a cobrança de verbas aos candidatos “apenas para se inscreverem para, um dia, terem a possibilidade de ter uma vaga na empresa”.

“É para isso que temos chamado a atenção às entidades inspectivas. Mas, antes de mais, é uma questão de se definir quem é que pode prestar estes serviços e, depois, de como é que estes são auditados”, refere o dirigente associativo.

Segundo Afonso Carvalho, a regulamentação do sector “tem muitíssimos anos e precisa, claramente, de ser actualizada”, não sendo suficientes os esforços que a associação tem vindo a fazer enquanto “canal de passagem de boas práticas”.

“Nós temos um código de conduta que obrigamos as empresas a assinar quando se juntam a nós e posso dizer que já tivemos casos de empresas que não se quiseram associar para não o assinarem. Acho que isto é claro sobre o “estado da nação"”, lamentou.

Como resultado, e apesar de, só no sector do trabalho temporário, existirem 230 empresas regularizadas, o total de associados da APESPE-RH fica-se pelos 35.

“Por outro lado - acrescenta Afonso Carvalho - o número de empresas que abrem e fecham (nos últimos anos, entre alvarás suspensos, cessados ou caducados, são mais de 150 empresas) também é um claro indicador de que alguma coisa não está bem, porque não somos um mercado assim tão grande”.

Para o dirigente associativo, o forte impacto da crise pandémica no sector do trabalho temporário resulta, antes de mais, da própria “tipologia contratual” a que estão sujeitos estes trabalhadores e que tem, precisamente, como pressuposto a flexibilidade em função dos níveis de actividade.

Paralelamente, foram exactamente os sectores de actividade “que normalmente se socorrem desta tipologia de trabalhadores”, como a hotelaria, o turismo ou o sector automóvel, os mais afectados pela crise.

Desta combinação de factores resultou que os trabalhadores com vínculo de trabalho temporário “foram os primeiros a ser dispensados” quando a crise se agudizou, acabando por ser “muitíssimo penalizados” com a situação.

“Sei que estamos num contexto particularmente difícil de saúde e social, mas o trabalho temporário existe para isto mesmo, para dar flexibilidade às empresas, porque há muitas empresas que, se não conseguissem ter esta flexibilidade, com o cenário actual era muito difícil sobreviverem. A questão é: Será que poderíamos conseguir mais direitos e regalias para estes trabalhadores? Porventura”, afirma o líder da APESPE.

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