Cuidados intensivos: pressão vai manter-se e internados podem chegar a perto de 1000 na próxima semana

Segundo as estimativas da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, metade das necessidades de recursos projectadas para o país, para a próxima sexta-feira, concentram-se na região de Lisboa e Vale do Tejo.

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Paulo Pimenta

Portugal passou no final desta semana a fasquia dos 900 doentes com covid internados em unidades de cuidados intensivos (UCI), mas dentro de uma semana este número pode chegar a perto de mil. Segundo as estimativas da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), metade das necessidades de recursos projectadas para a próxima sexta-feira para o país — quer de camas hospitalares quer de profissionais na área da saúde pública para a realização de inquéritos e seguimento de contactos de risco — concentram-se na região de Lisboa e Vale do Tejo. Que é aquela onde se mantém maior pressão.

Os cenários para o dia 12 de Fevereiro, realizados através da ferramenta Adaptt — que conta com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública — projectam entre 6873 e 7763 doentes com covid internados nos hospitais, de acordo com um acréscimo ou diminuição de 2% do Rt (risco de transmissão). Destes, 978 podem estar internados nas unidades de cuidados intensivos (UCI), de acordo com o cenário mais pessimista.

Este número representa um aumento de 8,2% em relação ao relatório divulgado nesta sexta-feira pela Direcção-Geral da Saúde, que deu conta de 904 doentes com covid em UCI. E que revelou um aumento de 41 pacientes em 24 horas nestas unidades mais diferenciadas.

Alexandre Lourenço, presidente da APAH, diz que é preciso perceber se a notificação destes casos está a ser feita automaticamente ou depende do reporte dos serviços, que estando assoberbados na resposta aos doentes poderão estar a ter algumas limitações na notificação ao dia. Independentemente de ser esse o caso ou não, há o efeito da limitação da capacidade na gestão da entrada de doentes nestas unidades.

“Os critérios são mais estritos agora do que no início da pandemia e o número de camas disponíveis condiciona o número de doentes. O mesmo se passa em relação à oxigenioterapia”, diz o responsável, referindo que o aumento de camas de UCI tem sido possível porque os hospitais estão a parar actividade [cirúrgica]. Já quanto a recursos humanos, “estamos a funcionar quase com os mesmos meios do ano passado” e que estão “em cansaço acumulado".

Ainda assim, e apesar de no caso das UCI o cenário ser de estabilização, no geral as estimativas para a próxima semana apresentam um ligeiro decréscimo na necessidade total de camas hospitalares em relação à anterior. Numa análise por regiões, é em Lisboa e Vale do Tejo que metade das necessidades de camas hospitalares a nível nacional está concentrada. Segundo as estimativas, esse peso pode variar entre 50,3% e os 51,6% caso seja o cenário mais optimista ou o mais pessimista.

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“Com esta pressão que os hospitais estão a ter, faz sentido que exista esta solidariedade entre regiões. Temos resposta no continente mais próxima do que transferir para a Madeira ou Açores ou países terceiros”, diz Alexandre Lourenço. Questionado sobre o entendimento dos especialistas de medicina intensiva, de que ainda há capacidade para aumentar o número de camas UCI em Portugal, Alexandre Lourenço diz acompanhar as posições técnicas.

Milhares de inquéritos em atraso, diz associação

As estimativas de necessidades para saúde pública, que têm com base as recomendações do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, variam entre 12.786 e 14.829 profissionais. Tal como acontece em relação às camas hospitalares, é também a região de Lisboa e Vale do Tejo que concentra cerca de metade das necessidades totais apontadas para o país (entre 53,9% e 54,9%, dependendo do cenário).

“Estou muito preocupado com a questão dos rastreadores. A pressão sobre a rede hospitalar está a estabilizar, resultado do confinamento, e é essencial termos no terreno rastreadores antes de se começar a desconfinar. Não é só fazerem-se os inquéritos epidemiológicos, é fazer-se também a vigilância activa. É essencial para termos um desconfinamento estruturado e evitarmos uma quarta vaga. Temos de aproveitar este tempo para formar pessoas e colocá-las no terreno para as vigilâncias activas”, reforça Alexandre Lourenço, lembrando que as funções não precisam de ser desempenhadas por profissionais de saúde.

Diferente é o caso dos inquéritos epidemiológicos que devem ser feitos por equipas de saúde pública, mas a capacidade de resposta continua limitada. “As vigilâncias activas já nem são feitas porque não há tempo. Está todo a ser consumido nos inquéritos”, diz Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, que estima que “estejam dezenas de milhares de inquéritos em atraso”.

Ricardo Mexia não tem dúvidas que para “se respirar de forma folga” ainda vão ser precisos “vários meses”, mas se o número de casos positivos continuar a descer como tem acontecido nos últimos dias, “será possível fazer tantos inquéritos como os novos casos”. “Mas não recuperar” o que ficou para trás.

O responsável volta a repetir o que diz há quase um ano: “São precisos mais recursos humanos e as equipas têm de ser reforçadas.” E garante que apesar de todas as dificuldades, os médicos de saúde pública continuam empenhados no combate à pandemia. Mesmo que as condições estejam longe do ideal e sintam que existem “atropelos à dignidade dos profissionais”. Situação que os levou a escrever uma carta que será enviada à ministra da Saúde e que em 24 horas juntou mais de 200 assinaturas.

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