Os estudantes estrangeiros lutam por um emprego na Alemanha: Abdul já foi rejeitado 800 vezes

Da Síria para a Alemanha, Abdul Kader Tizini investiu no sonho de tirar um mestrado numa das melhores universidades do país. O, então, futuro promissor viu-se abalado pela pandemia. Oitocentas candidaturas e 80 entrevistas depois, ainda está à procura de emprego na maior economia da Europa.

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Reuters/WOLFGANG RATTAY

Quando Abdul Kader Tizini se formou, com um mestrado em engenharia mecânica, na RWTH Aachen, uma das melhores universidades de Tecnologia da Alemanha, pensou que seria uma questão de semanas até conseguir o seu emprego de sonho. Um mês depois, o novo coronavírus espalhou-se pela Alemanha, bloqueando uma década de boom de emprego.

Agora, cerca de 800 candidaturas de emprego e 80 entrevistas depois, o sírio de 29 anos ainda está à procura de trabalho. Ser estrangeiro mostrou-se uma desvantagem para conseguir emprego na maior economia da Europa, mesmo antes da pandemia. Agora, que há menos vagas, tornou-se um obstáculo maior, como revela Tizini. “As empresas pensam: ‘Com um estrangeiro teremos de explicar a ideia duas vezes, com um nativo apenas uma vez'”, explica à Reuters.

As contratações diminuem e os despedimentos em milhares de empresas alemãs significam que licenciados estrangeiros, como Tizini, enfrentam uma concorrência feroz com licenciados alemães e profissionais desempregados.

Ao contrário dos cidadãos alemães e da União Europeia, que têm direito a subsídios de desemprego e ajuda face à crise pandémica, muitos licenciados estrangeiros não se qualificam para subvenções.

Centenas de milhares de estudantes internacionais foram atraídos para estudar na Alemanha, na última década, encorajados por um sistema de ensino superior conceituado, quase gratuito, e por fortes perspectivas de emprego. O número de estudantes internacionais na Alemanha aumentou cerca de 70% entre 2009 e 2019, segundo dados do Instituto Federal de Estatística.

A barreira da língua e cultura

Anja Robert, consultora de carreira na RWTH Aachen, refere que os estudantes internacionais na Alemanha estão a ter mais dificuldades em encontrar emprego do que os estudantes alemães.

A procura das sessões de aconselhamento da sua equipa, e de apoio psicológico, aumentou desde Março, quando a Alemanha entrou no primeiro confinamento para combater a pandemia, confirma a consultora. “Em tempos tão inseguros tende-se para a segurança, apostando em competências linguísticas estabelecidas, traços culturais e compreensão.”

Depois de o Governo ter imposto o primeiro confinamento, a taxa de desemprego na Alemanha subiu de 5% para 6,4%. Em Janeiro deste ano, voltou a atingir os 6%. O impacto da pandemia no mercado de trabalho alemão foi mitigado pelo programa Kurzarbeit (de lay-off) do Governo, que permite aos empregadores cortar horas de trabalho durante uma crise económica. Mas a contratação torna-se mais difícil.

As empresas que aderem ao programa só podem contratar pessoas em casos excepcionais se tiverem uma razão justificada, diz Ludwig Christian, porta-voz do Instituto Federal do Trabalho. Entre Abril de 2020 e Janeiro deste ano, o número de novas vagas de emprego na Alemanha diminuiu em 430 mil, o que se traduz em 26% numa base anual, segundo dados da Oficina do Trabalho.

Redes digitais

Outro desafio que os estudantes estrangeiros enfrentam é uma rede profissional e social mais fraca, agravada por feiras de emprego e eventos de networking cancelados ou que, devido à pandemia, passam a acontecer online.

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“O trabalho em rede digital é simplesmente mais difícil, especialmente se vier de outro país e não estiver familiarizado com o funcionamento do teletrabalho aqui”, afirma Jana Koehler, uma recrutadora internacional sediada em Berlim.

Os dois confinamentos, na Primavera e no Inverno de 2020, também fecharam restaurantes e retalhistas. Traduzindo-se no decréscimo de milhares de empregos a tempo parcial, a que os estudantes normalmente recorrem para se sustentarem financeiramente.

Em Abril de 2020, o Governo alemão incluiu os estrangeiros num programa de empréstimo sem juros para estudantes. Os licenciados, no entanto, não são elegíveis. O acesso à ajuda ao desemprego, para licenciados estrangeiros, está condicionado à permanência na Alemanha durante cinco anos, havendo, por essa razão, muitos licenciados de mestrado a perder a oportunidade.

Tizini sobrevive com transferências mensais do irmão. Depois de investir muito tempo e mais de 10 mil euros para estudar na Alemanha, o regresso à Síria não é uma opção. “Não há maneira de viver senão esperar por alguém que ajude. Estou a dar tudo o que posso, mas tudo em vão.”