O dia chegou: tomaram a vacina contra a covid-19 e contra a solidão da pandemia

A coordenadora da Unidade de Saúde Familiar de Alvalade pede “tranquilidade” aos utentes perante a expectativa de serem vacinados contra a covid-19. No primeiro dia de vacinação desta fase, a secretaria desta unidade recebeu centenas de emails de pessoas a perguntar se podiam receber a vacina.

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Enfermeira Paula Pereira conversa com Aida Semedo que vai ser vacinada contra a covid-19 Nuno Ferreira Santos
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Utente entra no Centro de Saúde de Alvalade, em Lisboa Nuno Ferreira Santos
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Leopoldo Sabino toma vacina contra a covid-19, em Lisboa Nuno Ferreira Santos
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Utentes devem permanecer numa sala durante 30 minutos após toma da vacina Nuno Ferreira Santos
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Vacinação contra a covid-19 na Unidade de Saúde Familiar de Alvalade Nuno Ferreira Santos

Aida Semedo tem 81 anos e doenças que a colocam no grupo de pessoas prioritárias para tomar, nesta fase, a vacina contra a covid-19 no Centro de Saúde de Alvalade, em Lisboa. Na manhã desta sexta-feira, o dia agendado, lá apareceu, pronta para estender o braço e levar a injecção. “Temos de ter esperança, se não, não valia pena”, diz.

É com satisfação, à mistura com algum receio de reacções adversas, que ali está para levar a “pica”. Diz que recebeu uma mensagem no telemóvel, a que respondeu e que lhe ligaram a confirmar. Com 81 anos (e insuficiência cardíaca, entre outros problemas de saúde), ainda expressa espanto perante o que está a viver, garante que nunca pensou ver “uma coisa destas”, um vírus a espalhar-se assim pelo mundo, pessoas confinadas à solidão em casa. Faz questão de dizer que tem uma família “amiga”, foi a neta que a foi levar ao centro de saúde, mas faltam-lhe as voltas que dava, “todos os dias”, com as amigas. Agora, por medo do SARS-CoV-2 e dever cívico, estão todas recolhidas em casa.

Aida Semedo, que vive sozinha, não tem dúvidas de que a pandemia a deixou mais “triste” e que, à falta das conversas com as amigas, também confinadas, vai falando mais, na casa grande onda mora, com a gata Nini. De seringa pronta, a enfermeira Paula Pereira pergunta-lhe se está tranquila, se está feliz, e dá-lhe a vacina. É um abrir e fechar de olhos, já está. “Não custou nada”, reconhece a utente.

Depois, também Leopoldo Sabino, com 80 anos e problemas de coração e pulmonares que o colocam no quadro clínico previsto para esta fase, tomou a primeira dose. Seguiu-se, durante a manhã, o presidente do Conselho Nacional de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos, Manuel Mendes Silva, urologista, que trabalha no sector privado, 73 anos e critério de doença (insuficiência renal), entre outros utentes. Todos passaram pela Unidade de Saúde Familiar (USF) de Alvalade que, em conjunto com a do Parque, faz parte do Centro de Saúde de Alvalade, que está a vacinar este grupo de pessoas desde quarta-feira. Primeiro, quem chega para ser vacinado contra a covid-19 preenche um questionário de saúde; depois da toma, têm de aguardar meia-hora numa sala por eventuais reacções, sem registo de qualquer adversidade até agora. E sai já com a segunda toma agendada.

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Leopoldo Sabino toma vacina contra a covid-19, em Lisboa Nuno Ferreira Santos

Um dos desafios passa pelo processo de agendamento. Neste centro de saúde, estão a vacinar pessoas incluídas na actual fase do processo — com mais de 50 anos, insuficiência cardíaca, renal ou doença pulmonar obstrutiva crónica ou com suporte ventilatório, ou com mais de 80 anos e todos ao mesmo nível, sem hierarquias, explica a enfermeira Carlota Sousa. A coordenadora da USF de Alvalade, Mariana Freire, explica que as listas de que dispõem e que vão sendo actualizadas a cada 24 horas, são disponibilizadas pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Na USF de Alvalade, o objectivo fixado, pelo menos neste momento da fase-piloto, é o de vacinar 60 pessoas por dia; na do Parque, 96. As pessoas são contactadas por SMS, cerca de metade confirma e aparece; entre as outras, mesmo não confirmando, há quem acabe por aparecer também.

Pessoas “optimistas” e “felizes”

Quando tal não acontece, quando não comparecem, a equipa do centro pega nas listas e telefona a outras pessoas elegíveis, que cumprem os critérios desta fase, para aparecerem, se for caso disso, no próprio dia ao fim da tarde. Na quarta-feira, três pessoas foram contactadas para suprir ausências de outras; no segundo dia, 12. Os que não responderam voltam a receber uma mensagem. Em relação a quem está nas listas sem telemóvel, tenta-se contacto por telefone fixo ou, então, se for necessário, se algum número não estiver actualizado, por exemplo, a equipa tenta procurar o contacto de um familiar, foi explicado ao PÚBLICO.

Os frascos só são abertos quando existe a garantia de que há determinado número de utentes para vacinar naquele espaço de tempo: “Para que não se desperdice nenhuma dose, isso está fora de questão”, assegura a coordenadora. A enfermeira Carlota Sousa nota, ainda, que até ao momento os kits que tem recebido incluem as seringas necessárias e que não tem tido dificuldade em retirar dos frascos as doses previstas.

De uma forma geral, esta enfermeira conta que os utentes chamados estão “optimistas”, que aparecem “felizes”. “Algumas destas pessoas estavam sem sair de casa há, para aí, cinco meses, têm doenças graves, e saem pela primeira vez para levar a vacina”, conta. Mariana Freire acrescenta que a vontade de serem vacinadas é tão grande que, no primeiro dia, quarta-feira, receberam cerca de 300 emails na secretaria, de pessoas a perguntar se podiam ir levar a injecção. Por isso, pede aos utentes “tranquilidade”.

Quando chega a vez, Leopoldo Sabino, que vive com a mulher, entra na sala, sem receios: “É preciso tomar, toma-se. Tenho estado em casa, vou à farmácia, ao supermercado, a partir daí não faço mais do que isso”, conta, enquanto vai conversando com as enfermeiras sobre como vai a família. Já se conhecem.

Também Manuel Mendes Silva se mostra satisfeito com a chegada do momento: “Estou satisfeito, claro que sim, acredito na vacina”, diz, defendendo que todos, à excepção de quem não tiver indicação para tal, devem ser vacinados. Depois, entrará Ermelinda Maciel, de 86 anos e doença cardíaca que a torna elegível. Entra com a mesma expectativa em relação à inoculação e o mesmo cansaço de tudo isto: “Esta pandemia é que veio dar cabo da gente.” A enfermeira Carlota Sousa tenta animá-la, responde-lhe a brincar: “Até está em casa a descansar.” Mas Ermelinda Maciel tem a resposta na ponta da língua: “Antes queria estar a dar a minha voltinha!”

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