Somos todos como o Diogo Faro

Somos todos como o Diogo Faro, porque os nossos erros não nos definem — e é também por isso que o Diogo me parece estar longe de ser uma causa. Somos todos como o Diogo Faro, mas não gritemos “somos todos Diogo Faro!”, nem façamos dele a bandeira que hasteamos pelo direito à incoerência.

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Rui Gaudencio

No artigo “Roubam vacinas e dançam em festas”, Diogo Faro alerta-nos para os perigos das “festas com dezenas de pessoas” que vemos demasiadas vezes nas redes sociais, embora tenha circulado esta semana uma foto que o mostra precisamente num desses ajuntamentos. Muitos andam a fazer sacrifícios, enquanto outros, diz o Diogo, “sentindo-se acima do resto, vivem a vida como se a pandemia não existisse”. Fica provado que é difícil ser o grilo falante dos cidadãos respeitáveis. Ainda mais difícil é quando se assume tão publicamente o papel de despertador de consciências.

O Diogo Faro errou, já pediu desculpa e o seu futuro enquanto humorista está nas mãos do seu público, como sempre esteve. Mas temos de ser justos: o Diogo é um bom activista de diversas causas. Faz alguma coisa, nem que seja pôr as pessoas a falar de temas importantes.

Contudo, as pessoas não nutrem grande simpatia pelo dedo em riste. É o clássico “perdeste toda a razão pela forma como falaste” — como se a forma como dizemos as coisas pudesse alterar tão significativamente o seu conteúdo (excluindo, obviamente, a utilização de determinados recursos estilísticos). Mais: lições de moral só são apreciadas na Bíblia, supostamente inspirada por um Deus omnisciente, ou em contos tradicionais e frases motivacionais de autor desconhecido. Ora, o Diogo Faro não é santo nem hesita em dar a cara, daí que algumas pessoas fiquem algo indispostas quando ele lhes aponta o dedo e sejam tão implacáveis a criticar quando é ele a errar. Porque o Diogo Faro não erra como as outras pessoas, ele erra como quem está num pedestal: no palco literal que lhe é dado e no figurado, de onde ele dá alguns veredictos.

O que ecoa nas caixas de comentários é a “hipocrisia” percepcionada nas suas palavras, que aparentemente não estão em sintonia com as suas acções. Há quem contra-argumente que todos nós entrámos em incumprimento em algum momento — e sim, podemos ser sempre mais cuidadosos — mas a quem está há um ano sem ir ao seu país, a quem passou o Natal longe da família, a quem celebrou uma passagem de ano sozinho e a tantos outros, o erro do Diogo poderá parecer bastante voluntário. Para além disso, a sua postura de paladino da moral e das verdades absolutas dá um gosto muito azedo às palavras tão importantes que escreveu. Porém, o Diogo, ao contrário de muitos outros, continua a dar a cara e reconheceu o erro, mesmo que o seu mea-culpa só exista por causa de uma fotografia inconveniente. 

Não se confunda o Diogo com as causas que ele defende. Não ajuda nada dizer que somos todos Diogo Faro e que “quem nunca errou que atire a primeira pedra”. O Diogo não está acima de críticas só porque defende as ideias com as quais concordamos: neste sentido, ele tem de ser como todas as pessoas que por ele foram criticadas. Somos todos como o Diogo Faro, porque os nossos erros não nos definem — e é também por isso que o Diogo me parece estar longe de ser uma causa. Somos todos como o Diogo Faro, mas não gritemos “somos todos Diogo Faro!” nem façamos dele a bandeira que hasteamos pelo direito à incoerência.

Eu até posso ser Diogo Faro, mas não queria nada ser O Diogo Faro: nem o que escreveu o artigo “Roubam vacinas e dançam em festas” nem o que escreveu o pedido de desculpas. Sou só humana e é um dado adquirido para toda a gente (incluindo eu própria) que tenho defeitos e que cometo erros.

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