Equipas dos cuidados intensivos estão numa “exaustão extrema” mas empenho é “extraordinário”

“Perceber que 75% das pessoas que entram com formas graves de covid-19 sobrevivem dá uma motivação extraordinária”, diz o presidente do colégio da especialidade de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, José Artur Paiva.

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Paulo Pimenta

“Estamos numa situação de sobrecarga, portanto é perfeitamente natural que a qualidade média esteja abaixo do que era”, admite José Artur Paiva. Mas nota que, com a integração de outros especialistas, os cuidados intensivos estão “a ganhar em capacidade de resposta”.

Quantos doentes tem cada médico e enfermeiro agora a seu cargo, qual é o rácio actual?

Há rácios de enfermeiro/doente e de médico/doente, há linhas vermelhas de qualidade. Estamos longe de ter o ideal já, mas não faz sentido ter a expectativa de que, em pandemia, em sobrecarga, íamos ter o ideal. Mas temos tido a preocupação de passar a mensagem de que há linhas vermelhas de perda de segurança e de qualidade que não devem ser ultrapassadas. É claro que, trazendo para as nossas equipas profissionais que não são enfermeiros, médicos e assistentes operacionais de medicina intensiva e fazendo integrações que não podem ter a robustez de quem tem muito tempo para responder, estamos a perder um pouco da qualidade média do serviço, mas estamos a ganhar em capacidade de resposta. É importante percebermos que a relação entre casuística e qualidade é um U invertido. Centros que têm muito pouca experiência e casuística, têm uma qualidade menos relevante do que os outros, mas também há um ponto a partir do qual em que, se houver excesso de carga de trabalho, a qualidade começa a perder-se. Estamos numa situação de sobrecarga, portanto é perfeitamente natural que a qualidade média esteja abaixo do que era. Mas a integração dessas pessoas permite que ninguém fique para trás.

Essa perda de qualidade está a reflectir-se na mortalidade, como já foi admitido por alguns especialistas?

Não sei se se reflecte ou não. Temos que estudar [os dados].

Qual é o estado de espírito das equipas dos cuidados intensivos?

Tenho um orgulho enorme nas pessoas, há um empenho e há uma superação extraordinários. O número de horas que se está a trabalhar é muitíssimo acima do normal. Mas há cansaço. Um dos grandes problemas desta resposta é que partimos com quadros de médicos e enfermeiros muito abaixo dos adequados. Também se demorou muito a dar autonomia às administrações hospitalares para recrutamento e contratação de pessoas, isso só aconteceu em Outubro. Aqui no Hospital de São João os muito bons resultados que tivemos em termos de mortalidade e resposta acabam por funcionar como uma motivação adicional. Tivemos uma mortalidade neste serviço inferior a 20% na primeira onda, de 16%, e uma mortalidade hospitalar [doentes que morrem antes de sair do hospital] de 21%. Agora, temos uma mortalidade não muito mais alta, na segunda onda foi de cerca de 25%, 26%. Mesmo assim, comparada a nível internacional, é baixa. Perceber que 75% das pessoas que entram com formas graves de covid sobrevivem dá uma motivação extraordinária. Mas também há um cansaço extremo, uma exaustão enorme, um excesso de horas de trabalho e uma vontade muito grande de que o Governo e a população percebam que a solução não está dentro do hospital. A solução passa pelo confinamento, por testar todos as pessoas com sintomas, por inquéritos epidemiológicos, por evitar cadeias de transmissão e por cumprir o plano vacinal.

Quanto tempo será necessário para se sentir o impacto do confinamento nos cuidados intensivos?

Provavelmente durante Fevereiro vamos precisar de estar confinados e ir monitorizando os indicadores, nomeadamente o Rt [índice de transmissibilidade], os novos casos, mas, mais importante, o número de hospitalizações e de entradas em unidades de cuidados intensivos e, à medida que identificamos isto, aí sim, devemos fazer uma retirada progressiva das medidas e ir monitorizando para poder sempre dar um passo atrás, se for caso disso. Quando o Rt baixar, os internamentos diminuírem e as UCI deixarem de estar em sobrecarga, devemos iniciar um processo, e imagino que isso não será antes do final de Fevereiro, de retirada lenta e gradualista das medidas.

Isso passa por abrir as escolas dos mais pequenos?

Abrir as escolas de primeiro e segundo ciclo seria talvez a primeira coisa a fazer, não do terceiro ciclo e universitário.

Por que é que os hospitais de Lisboa ficam sempre numa situação mais caótica do que os do Norte?

Sem comentar as suas palavras, a expansão de camas de medicina intensiva na Administração Regional de Saúde [ARS] do Norte, entre Janeiro e 31 de Dezembro de 2020, foi de 2.13, mais do que duplicou, portanto. Na região Centro foi de 2.3, no Algarve foi notável, mais de três vezes. Na ARS de Lisboa e Vale do Tejo foi de 1.4, talvez por não ter sentido a primeira e a segunda onda com tanta intensidade, mas durante o mês de Janeiro têm estado em expansão acentuada, [a abrir] muitas camas.

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