Os novos amanhãs já choram

Já poucos acreditam em alguma coisa, seja na política, na economia, que vêm degradar-se a olhos vistos, e muito menos na capacidade de estancar a pandemia.

Poucos já acreditam no que quer que seja. O desespero vai tomando conta de todos e cada um de nós, com as poucas excepções que acontecem, a vários títulos (há sempre quem aproveite situações desesperadas) em casos como os que vivemos.

O confinamento traz com ele as iras, as raivas, as impaciências, as violências e as perturbações que se projectam sobretudo nos mais próximos, como é sabido. Alternativas? Não há.

Mas o ser humano não foi feito para ser confinado e quando o é obrigado – ainda que pelas razões mais avisadas – rebentam as pulsões e emergem depressões.

Já poucos acreditam em alguma coisa, seja na política, na economia, que vêm degradar-se a olhos vistos, e muito menos na capacidade de estancar a pandemia que a tantos – muitos – rouba o pão a que têm direito e a voz nas vacinas, direito que igualmente lhes assiste. As desigualdades continuam a acentuar-se desde a mais tenra idade, com actividades escolares para quem tem meios tecnológicos, pais mais disponíveis e com maior formação que os demais.

A vida é bruta mesmo sem pandemia, mas esta agrava-a e pode bem conduzir a uma explosão social, já o escrevi.

O Governo, as oposições, os municípios, as juntas de freguesia, a comunicação social em geral, as IPSS’s, as fundações, poderiam ter – e algumas têm – um papel fulcral no meio de todo este desespero. O Governo, governando – o que não faz – como se vê pela falta de planeamento à covid e sem planeamento não há meios adequados, como é evidente. Acresce que não há só doentes covid, cujos atrasos em tratamentos podem ser letais. Mas estes não abrem televisões.

Instala-se a sensação de que vale tudo, até a apropriação de vacinas por quem a elas não tem direito, como se o outro não contasse. A crueldade de quem não hesita na apropriação indevida das ditas pode bem estar a matar outros.

A sensação de impunidade dos mais fortes. A verdade é que acabam por ganhar contra as multidões que não têm acesso aos poderes e poderzinhos. Quanto às oposições, valha-nos. Onde estão para cumprir o seu papel fiscalizador e oferecer alternativas sólidas? Não se ouvem para além de tiradas pouco felizes, muito pouco felizes, sobretudo nos tempos que correm, insultos a rasar a idiotia. Noutros casos é a autodestruição, declarada ou em silenciosos conflitos.

Os municípios e sobretudo as juntas de freguesia, pela proximidade aos cidadãos (quando a há) deviam ser valorizados, incentivados, apoiados. Muitos, no apoio aos seus munícipes e fregueses, têm sido a única mão amiga e invisível que se estende aos cidadãos mais carenciados. À comunicação social, em geral, não basta transmitir: cabe-lhe um papel pedagógico essencial numa cultura cívica cada vez mais necessária, em detrimento do espectáculo, seja ele qual for.

Há pouco mais de uma semana ocorreram eleições presidenciais, que podem ter mudado o mapa político à direita e à esquerda. Pareciam mornas, mas foram tudo menos isso: salvaram-se o “presidente rei” e António Costa que viu a sua estratégia, com reflexos à direita e à esquerda, resultar em pleno. O problema é que tudo parece um deserto assolado por tempestades, em conturbações internas, mesmo que algumas não sejam por agora visíveis: e estou a referir-me a todos os partidos representados no Parlamento, com excepção da Iniciativa Liberal, no qual não escorreu sangue.

Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, ninguém lhe pode retirar o mérito que teve ao ganhar de forma esmagadora as eleições, embora, também por referência aos outros candidatos não se esperassem resultados diferentes nem eleições renhidas. O actual Presidente antes de o ser já o era. O que não se previa era o tremor de terra à esquerda e à direita. Veremos o que fará Marcelo com esta vitória eleitoral.

Cuidado com os novos amanhãs que já choram.

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