Vencer o rumor, fazer justiça

Desde a sua criação, em 2009, para responder à insustentável situação de pendências e atrasos nos tribunais administrativos e fiscais, o CAAD tem feito tudo o que está ao seu alcance para conseguir diferenciar-se positivamente daquilo que é tido como a arbitragem tradicional.

São incontáveis os discursos dos operadores do Judiciário sobre as causas do baixo índice de confiança dos portugueses na Justiça. Existe, no entanto, um antes e depois da Operação Lex. O impacto negativo dos mega-processos na opinião pública já colara os tribunais a uma perigosa (e injusta) imagem de ineficiência e incapacidade. O que veio a seguir, pela natureza das suspeitas, aprofundou o ceticismo e a desconfiança alastrou-se.

A maioria das pessoas não tem, no entanto, contacto direto com os tribunais. A opinião delas é construída a partir do que se ouve e diz, aqui e ali, tantas vezes sem qualquer facto e fundamento por trás. A perceção pública negativa não é, contudo, apenas uma abstração. Quando ela ganha escala e aderentes e simpatias, como acontece hoje em Portugal, contamina perigosamente o discurso político, radicalizando-o, ao ponto de provocar consequências reais que prejudicam a nossa vida em comunidade.

É imperioso travar esta contaminação da esfera pública e esta erosão inaceitável de um pilar fundamental da democracia. É, porém, pura ilusão acreditar que é possível mudar esta perceção pública negativa apenas através de um inflamado exercício de retórica. É preciso fazer mais. É preciso agir sobre o concreto, é fundamental adequar as instituições e os meios aos novos obstáculos, às novas ameaças e, também, às legítimas exigências de transparência que os cidadãos hoje colocam a todos os servidores públicos e a todas as instituições responsáveis pela sua concretização.

A semana que passou deu-nos um bom exemplo deste caminho que, a meu ver, é o único capaz de, pelo menos, reduzir os impactos venenosos do rumor e da suspeita generalizados. Ora bem, a Assembleia da República aprovou um pacote de transparência e integridade proposto pelo CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa), do qual constam, entre outras, três medidas fundamentais para a fiscalização e a salubridade do sistema. Este pacote, que para já parece ter passado quase despercebido, consagra na lei — não apenas em regulamentação interna — os termos a que obedece a distribuição dos processos aos árbitros encarregues de apreciar os processos. A partir de agora, esta distribuição será sempre pública, um procedimento simples e eficaz que, na verdade, o CAAD já passara a pôr em prática através da transmissão em direto por via digital das distribuições. 

Há outras regras muito bem calibradas. Desde a sua criação, por impulso governativo, em 2009, para responder à insustentável situação de pendências e atrasos nos tribunais administrativos e fiscais, com terríveis consequências para o nosso país — pessoas e empresas —, o CAAD tem feito tudo o que está ao seu alcance para conseguir diferenciar-se positivamente daquilo que é tido como a arbitragem tradicional, isto é, a arbitragem não regulada e ad hoc, a que mais dúvidas tem levantado quando aplicável a matérias de interesse público. Na altura, foram concretizadas várias medidas que asseguraram, com rigor, este objetivo. No entanto, por vontade ou simples desinformação, houve sempre quem nos quisesse, e ainda queira, confundir com a “outra” arbitragem.

Este pacote legislativo, aprovado com os votos favoráveis do PSD, PS e Bloco de Esquerda, acontece, por isso, no tempo certo porque nos ajudará a encurtar a margem de manobra da especulação e a garantir ainda que a nossa missão é integralmente cumprida na prática e aos olhos do grande público. A partir de agora, embora já existissem limitações relevantes nesta área por via dos regulamentos internos, não pode ser árbitro quem seja mandatário ou integre um escritório de advogados em que um dos seus membros tenha qualquer processo no CAAD. Mais: os árbitros presidentes não podem ter desempenhado nos últimos dois anos serviços profissionais a qualquer parte no âmbito do CAAD. São duas poderosas mudanças que aumentam a transparência e reduzem ainda mais potenciais conflitos de interesses.

Estas medidas juntam-se às que já aplicávamos e que, repito, nos diferenciam e singularizam face ao que, genericamente — ​perigosa e injusta generalização — é designado por “a arbitragem”. São elas: a publicação de todas as decisões no CAAD em dois portais de acesso público — as únicas decisões de 1.ª instância fiscal publicadas em Portugal —; a publicitação do valor dos honorários dos árbitros e das receitas do CAAD, sendo que o Estado, quando vencido na causa, paga exatamente o mesmo que paga nos tribunais do Estado; e, finalmente, a indispensável notificação de todas as nossas decisões — todas mesmo — ao Ministério Público.

Aqui está, contra a generalização e o rumor: factos e decisões para que se faça justiça.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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