Funcionários judiciais: serviço público essencial no funcionamento dos tribunais

A mediação imprescindível dos funcionários judiciais garante a premissa de que ao Estado incumbe, não só respeitar, mas também garantir a efectivação dos direitos fundamentais.

Uma clara evidência que este surto epidémico covid-19 veio consolidar na nova realidade foi a importância dos serviços públicos e dos seus trabalhadores. Apesar de todas as dificuldades que este surto provocou na população, há que dar especial mérito à Administração Pública, que nunca parou o seu funcionamento com vista à “pedra de toque” que dá razão à sua existência: os serviços de apoio à população. De entre todos os sectores, importa salientar o papel dos tribunais, através daqueles que asseguram “prima facie” o seu funcionamento: os Oficiais de Justiça (OJ)! O desempenho destes foi imperativo, ao assegurar a manutenção dos serviços mínimos por via da sua essencialidade. Um trabalho feito, não só com reflexo na saúde pública (na sequência da eventual violação dos imperativos legais, resultantes dos estados de emergência/calamidade), mas, principalmente, na defesa de Direitos, Liberdades e Garantias que daí pudessem ser “beliscados”.

O aproveitamento que se fez dos meios da ciência e da técnica não substituiu a relação humana de esforço, dedicação e sacrifício que os OJ revelaram de prestação nuclear e proximidade, como por exemplo na decisão governamental de libertação de vários presos, período crítico de confinamento geral, em que nenhum funcionário judicial hesitou em ir para “o terreno”, arriscando a saúde pessoal e familiar. É neste contexto que se destaca a importância e necessidade de ter mais e melhores serviços de proximidade na justiça, nos tribunais através dos seus funcionários. A garantia fundamental do acesso aos tribunais é uma concretização do princípio do Estado de Direito e, ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade consignado no n.º 1 do artigo 13.º da CRP.

Cabe, assim, aos funcionários judiciais um papel preponderante, designadamente o papel de principal coadjuvante daqueles órgãos de soberania constitucionalmente consagrados.

Se é certo que a defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos integra expressamente o conteúdo da função jurisdicional, tal como ela se acha definida no artigo 206.º da lei fundamental,  não o é menos que quem auxilia, quem “molda o barro com as mãos” nessa defesa, é o Oficial de Justiça.

A mediação imprescindível dos funcionários judiciais garante a premissa de que ao Estado incumbe, não só respeitar, mas também garantir a efectivação dos direitos fundamentais.

A realidade que a situação vivida nos últimos meses mostrou foi a importância de manter, actualizar e reforçar os direitos e as condições desta classe, designadamente, através da aprovação de um novo Estatuto que “aparelhe” carreira para fazer frente aos desafios actuais e que a dignifique finalmente pelas funções únicas e essenciais.

O bom funcionamento dos tribunais passa necessariamente pela dotação de melhores condições na carreira dos funcionários judiciários e que tem subjacente a realização do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado na Constituição da República Portuguesa (artigo 20.º). A independência dos tribunais de que nos fala a Constituição (art.º 203.º da CRP) deve ser entendida como circunscrita à protecção de ingerências e pressões dos demais poderes do Estado, em cumprimento do princípio da separação de poderes inscrito no art.º 111.º da CRP. Fora deste âmbito de protecção, fica a (natural) dependência material dos tribunais em relação à Administração, pelo que cabe à administração conferir-lhe os meios, aos operadores judiciários onde se inserem os funcionários judiciais, e assim zelar pela prossecução do interesse público.

Paralelamente, a de Protecção dos Serviços Públicos Essenciais inserida na “ordem pública de protecção”, concretizando a tutela geral do consumidor, criou mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais.

E define o “prestador dos serviços (…) toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão”. Os serviços que os tribunais são chamados a prestar destinam-se a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, pois estão em jogo os interesses da liberdade e segurança individual e da segurança colectiva dos cidadãos. O maior indício da essencialidade dos serviços exercidos pelos funcionários dos tribunais reside na marcação de serviços mínimos em períodos de greve.

Perante a notável resposta dada pelos tribunais nesta fase de pandemia, através dos seus trabalhadores, seria preponderante o alargamento do actual elenco de serviços públicos abrangidos pela lei n.º 23/96, de forma a incluir os serviços e funções exercidas nos tribunais. A inclusão dos serviços exercidos pelos Oficiais de Justiça dos tribunais, como serviços essenciais legalmente consagrados pela Lei nº 23/96 de 26/7, será um importante contributo para as condições indispensáveis às necessidades efectivas da justiça, dignificando-se o seu funcionamento diário.

Ao fazer-se este caminho, consubstancia-se uma solução a curto prazo mais eficiente: a Administração Pública continuará a prossecução dos objectivos constitucionalmente consagrados e motivará os funcionários dos tribunais, que merecem já assistir à valorização da sua carreira profissional, através do reconhecimento e enriquecimento do conteúdo funcional das suas atribuições.

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