A nódoa ambiental no ar do Pocinho: um caso de saúde pública

O risco de saúde pública, devido à emissão de gases insalubres, obriga os decisores à medição e análises do ar da fábrica de bagaço do Pocinho. Não podemos continuar a ignorar a gravidade da situação!

As sirenes tocam desde 2014: incêndios e gases pestilentos, várias são as queixas contra o cheiro irrespirável vindo da Fábrica de bagaço de azeitona do Pocinho e a permanente neblina cinzenta que se projeta na atmosfera. O valor do Índice da Qualidade do Ar (IQAr) que a população, com idade avançada, respira é mau. Viola valores de segurança e de risco atribuídos pela legislação europeia e Organização Mundial de Saúde (OMS). É urgente a intervenção das Autoridades nesta emergência de saúde ambiental do Pocinho, Foz Côa.

Pocinho é uma aldeia situada na margem esquerda do rio Douro, Foz Côa. O comboio chegou à aldeia no século XIX, e teve um papel importante no incremento socioeconómico da região. Na época, a estação representava um importante entreposto de mercadorias, minérios e produtos agrícolas. Aqui termina, desde 1988, a Linha do Douro, depois de encerrado o troço que chegava a Barca D’Alva e Espanha. Os locais reclamam a sua reabertura.

Mais de 30 mil anos de História da Humanidade: a 11 Km do Pocinho localiza-se o Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC). As margens do Côa, afluente do Douro, mundialmente conhecidas pelas gravuras rupestres, são registos excecionais da arte pré-histórica, e integram a lista do Património da Unesco. Também o Alto Douro Vinhateiro, Património da Humanidade (2001), combina a natureza monumental do vale do Douro, de encostas íngremes e solos pobres e acidentados com o trabalho ancestral do homem, que adaptou o espaço às necessidades agrícolas de clima mediterrânico. Aqui confinam com o Pocinho as mais emblemáticas produções vitivinícolas portuguesas.

A barragem do Pocinho, recente no Douro português (1983), criou uma grande albufeira, de utilização livre, cujo espelho de água e condições climatéricas atraem os amantes da natureza, enlevados pela tranquilidade de aromas e imagens fotográficas divinas do Douro, criando condições excecionais para a prática de modalidades desportivas aquáticas. Assim nasce o Centro de Alto Rendimento do Pocinho, peça arquitetónica contemporânea, integrada na paisagem, com prémios de arquitetura e design.

Diante dessa coexistência de património cultural e natural com atividade humana de interação sustentável, não é compreensível que ali continue a coexistir e laborar aquela fábrica de bagaço de azeitona, responsável por um impacto deprimente na paisagem local, causado pelos fumos e gases libertados pelas chaminés e pela emissão de odores pestilentos, potencialmente tóxicos e irrespiráveis. Esta situação tem gerado inúmeras queixas de residentes, que inalam estes terríveis cheiros diariamente, e denúncias de visitantes ali atraídos pela beleza do património cultural e natural da região, que não deixam de assim demonstrar a sua revolta pela situação. 

Além do impacto negativo no turismo da região, é determinante avaliar o impacto dos resíduos libertados pela fábrica na vida das populações. Enquanto o alarme sensacionalista cresce pelo país, sem mensagens KISS e métodos eficientes de comunicação em saúde pública, a devassa ambiental continua. O IQAr que a população do Pocinho respira é mau e viola os valores de segurança e de risco atribuídos pela legislação europeia e pela OMS. É, por isso, urgente que as entidades competentes intervenham naquilo que acreditamos ser uma emergência de saúde pública. Exige-se uma análise objetiva à composição química das partículas libertadas pela atividade da fábrica de extração de bagaço do Pocinho, que deveria, por essas razões, ser encerrada! Em Ferreira do Alentejo, onde também foi relatada a existência de “fumos impregnados de substâncias gordurosas e carregados de partículas em suspensão”, a APA identificou a presença de gases como monóxido de carbono, dióxido de enxofre, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, uma bomba de compostos cancerígenos, e o IAPMEI determinou a suspensão  da fábrica, devido ao cocktail de “aromas” que incluem gases: amoníaco, ácido sulfídrico e sulfureto de metilo.

O risco de saúde pública, devido à emissão de gases insalubres, obriga os decisores à medição e análises do ar da fábrica de bagaço do Pocinho. Não podemos continuar a ignorar a gravidade da situação!

Nota: este artigo é publicado a título póstumo. Bruno J. Navarro morreu este sábado, em Lisboa, de doença súbita.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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