Morreu Hal Holbrook, o actor que interpretou o personagem Garganta Funda e fez de Mark Twain toda a vida

Foi a sua interpretação, nos palcos, do escritor norte-americano que trouxe fama a esta personagem que o acompanhou ao longo dos anos. Mas Hal Holbrook foi também nomeado para um Óscar e recebeu cinco Emmys. Uma longa carreira no teatro, no cinema e na televisão, e um livro de memórias a que chamou “o rapaz que se tornou Mark Twain”.

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Hal Holbrook Reuters/David McNew

O actor norte-americano Hal Holbrook (1925-2021), que no filme Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, interpretava o personagem Garganta Funda, o agente do FBI William Mark Felt que dava informações aos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, morreu no dia 23 de Janeiro na sua casa em Beverly Hills, na Califórnia, aos 95 anos, confirmou esta segunda-feira a sua assistente ao jornal The New York Times.

Hal Holbrook, que nasceu em Cleveland em 1925, teve uma longa carreira, no cinema, mas também na televisão e no teatro. Em 2008, foi nomeado para um Óscar pela sua interpretação como actor secundário em O Lado Selvagem, filme realizado por Sean Penn. Nessa época, aos 82 anos, era o actor mais velho a receber essa nomeação. No entanto, o prémio foi para Javier Bardem pela sua interpretação em Este País Não É Para Velhos, dos irmãos Coen.

Trabalhou com Steven Spielberg, em Lincoln (2012), onde interpretava o republicano Preston Blair, mas, na televisão, na série de 1974, interpretava o próprio Presidente dos EUA, e recebeu um Emmy pelo papel. Participou em séries como Os SopranosOs Homens do Presidente, Serviço de Urgência ou Anatomia de Grey. E filmou ainda com Sydney Pollack, em A Firma (1993); com Oliver Stone, em Wall Street (1987); com John Carpenter, em O Nevoeiro (1980); e com Gus Van Sant, em Terra Prometida (2012). Contracenou igualmente com Clint Eastwood em Harry, Detective em Acção (1973) e com Jane Fonda e Vanessa Redgrave em Julia (1977), para além de ter dado a voz a uma das gaivotas da adaptação cinematográfica de Fernão Capelo Gaivota (1973).

Mas seria a sua interpretação, nos palcos, do escritor satírico norte-americano Mark Twain (1835-1910) que lhe trouxe a fama e a personagem que o acompanharia ao longo dos anos. Um dos marcos da sua carreira é, de resto, a peça Mark Twain Tonight!, um espectáculo estreado em 1954 no Lock Haven State Teachers College, no estado da Pensilvânia; chegou à Broadway em 1966 e valeu a Hal Holbrook sozinho em palco um Tony Award e a primeira das suas 10 nomeações aos Emmys.

Mais tarde, a peça em que interpreta Mark Twain a recitar alguns dos seus textos humorísticos, e cujo repertório foi variando ao longo dos anos, foi transmitida pela CBS, em 1967. Por isso foi nomeado para os prémios da televisão, tendo, ao longo da sua carreira, recebido cinco Emmys. Voltou a fazer a peça na Broadway em 1977 e, em 2005, aos 80 anos, fez com ela uma tournée na Europa.

O volume Discursos de Mark Twain, publicado em Portugal pela Tinta da China na colecção dirigida por Ricardo Araújo Pereira, tem uma introdução escrita pelo próprio Hal Holbrook. Nele, o actor anda às voltas sobre qual seria o som da voz do escritor –​ já que ele fora o primeiro autor norte-americano a escrever como os americanos falam” –, ​e conta também como construiu essa personagem. “Em 1954, quando comecei a apresentar em palco o meu Twain a solo, tinha vinte e nove anos –​ menos quarenta e um anos que a personagem que pretendia encarnar (nada a fazer). De início, a minha caracterização demorava uma hora e um quarto, e eu ficava com ar de garoto de cabelos brancos. Quando a caracterização se prolongou até durar quatro horas, tornei-me bem mais convincente.”

Holbrook explica também aí que o seu espectáculo tinha uma estrutura pouco linear e era “deliberadamente assente no improviso, para apanhar os espectadores desprevenidos, sem saberem ao certo o que viria a seguir”. E conta que a versão que fez do espectáculo em 1966 foi considerada muito actual. “O tema era a Mentira Silenciosa, o modo como podemos mentir ficando quietos e calados na sombra de uma grande injustiça, como tanta gente fez durante o movimento para abolir a escravatura”. 

As suas memórias, que publicou em 2011, intitulam-se Harold: The Boy Who Became Mark Twain.

Com Jorge Mourinha

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