Morreu Hilton Valentine, o guitarrista dos Animals que imortalizou House of the rising sun

Um dedilhar da guitarra eléctrica tão simples e tão eficiente que se transformou em modelo inicial de milhões de aspirantes a guitarrista. E tão preciso na evocação de um espírito folk com atitude rock que se tornou clássico da Invasão Britânica e antecâmara para o folk-rock. O músico tinha 77 anos.

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Os Animals, com Hilton Valentine à direita na foto, a interpretarem House of the rising sun em 1964, no programa televisivo da ITV Ready Steady Go! John Drysdale/Getty Images

Hilton Valentine já chamara a atenção enquanto guitarrista dos The Wildcats, enérgica banda rock’n’roll que tinha nele alguém que agitava o público não só com aquilo que tocava, mas também através da forma como tocava, arrojando-se ao chão, rodopiando no palco com a guitarra, pernas esticadas no ar, electricidade da banda a contagiar a assistência. Mas Valentine e os seus Wildcats eram mero fenómeno local seguido atentamente apenas no Norte de Inglaterra. Alguns anos depois, em 1964, não foi preciso Valentine arrojar-se pelo chão. Atingiu a imortalidade com um dedilhar simples da guitarra eléctrica, tão simples e tão eficiente que se transformou em modelo inicial de milhões de aspirantes a guitarrista, geração após geração, tão preciso na evocação de um espírito folk com atitude rock que aquele início de House of the rising sun, canção-charneira na carreira dos Animals, se tornou não apenas um clássico da Invasão Britânica, mas antecâmara para o folk-rock, precisamente, que floresceria pouco depois.

Hilton Valentine morreu na manhã de sexta-feira, aos 77 anos, no Connecticut, Estados Unidos, onde residia há vários anos. A notícia foi dada pela ABKCO, a editora dos Animals, sem especificar as causas da morte. Nascido em North Shields, cidade costeira banhada pelo rio Tyne, nas proximidades de Newcastle, onde se formariam os The Animals, Hilton Valentine começou o seu percurso musical envolvido na febre do skiffle, género musical inglês que, misturando elementos de jazz, blues e folk, tomou de assalto a juventude inglesa dos anos 1950 (os Quarrymen, antecâmara dos Beatles, foram também inicialmente uma banda de skiffle). Não tardaria, porém, a sentir-se o efeito da chegada do furacão rock’n’roll, via Elvis Presley, Chuck Berry ou Little Richard, que rapidamente relegou o skiffle a memória do passado. É já enquanto guitarrista dos The Wildcats, no final da década de 1950, que Hilton Valentine se faz notar pelo talento e pela energia com que abordava a guitarra.

Em 1963, em Newcastle, encontramo-lo na formação de uma nova banda, The Animals, ao lado do vocalista Eric Burdon, do baixista Chas Chandler, do teclista Alan Price e do baterista John Steel. Quando se mudam para Londres, no ano seguinte, já não são simplesmente uma banda rock’n’roll. Mergulhando mais profundamente nas raízes da música americana, mantinham a chama juvenil, mas aplicavam-na a um conhecimento profundo do blues, da soul e do rhythm’n’blues. O primeiro single, Baby let me take you home, foi um êxito moderado. O segundo tornaria os The Animals um fenómeno, uma das bandas mais importantes da chamada Invasão Britânica iniciada pouco antes pelos Beatles. A versão do standard blues House of the rising sun não só se tornou um êxito mundial (e, com o passar dos anos, ela mesmo um standard) como um modelo a seguir na criação do folk-rock, que os Byrds tornariam oficial um ano depois, com a sua versão de Mr. tambourine man, e que Bob Dylan abraçaria ao trocar a guitarra acústica por uma eléctrica.

À frente de uma secção rítmica eficiente, mas discreta, os Animals tinham Eric Burdon, um vocalista de voz tonitruante como a de um bluesman de Chicago, Alan Price, um teclista virtuoso que extraía do seu órgão Vox um som cheio, febril, contagiante, e um guitarrista tão hábil no ritmo e na definição de um ambiente sonoro, assim o ouvimos em House of the rising sun, como no ataque selvagem ao instrumento, de que será exemplo, entre muitos outros, o solo infernal de I’m mad again, um original de John Lee Hooker.

Nos dois anos seguintes, a banda continuou a aplicar a sua energia rock’n’roll a velhas canções folk (Inside looking out, inspirado num blues recolhido pelos Lomax numa prisão americana) ou a clássicos de Nina Simone (Don’t let me be misunderstood) e do já referido John Lee Hooker (Boom boom). Os The Animals separar-se-iam em 1966. Chas Chandler tornou-se agente e produtor (foi ele que ‘descobriu’ Jimi Hendrix), Eric Burdon deu com sucesso sequência aos Animals, enquanto Eric Burdon & The Animals, e Alan Price criaria os Alan Price Set.

Quanto a Hilton Valentine, tentou uma carreira a solo que nunca chegou a arrancar verdadeiramente, apesar da edição de um álbum em 1969, All in Your Head. O seu percurso continuaria marcado, até ao fim, pela banda que imortalizara no arranque da década de 1960. “O opus de abertura de Rising sun nunca mais soará igual! Tu não te limitavas a tocá-lo, tu vivia-lo! De coração partido pela notícia repentina da morte de Hilton”, escreveu Eric Burdon nas suas redes sociais.

Hilton Valentine marcou presença nas reuniões dos Animals que se seguiram, em 1976 e em 1983, e criou os The Animals II em 1993 (era o único membro da formação original). Em 2007 e 2008, juntou-se ao seu velho companheiro Eric Burdon para duas digressões do vocalista enquanto líder de Eric Burdon and the Animals. Já neste século, já habitante dos Estados Unidos, empreendeu viagem até à fonte original de todo o seu percurso, criando os Skiffledog, que editaram em 2004 o álbum It’s Folk’n’Skiffle, Mate!.

Não é certo que se tenha arrojado pelo chão do estúdio durante as gravações, mas é certo que o dedilhado de House of the rising sun continuará a ser prova iniciática para novos guitarristas e que, assim que esses novos guitarristas escavarem mais fundo, descobrirão um músico inspirado e inspirador a canalizar formas antigas para uma nova realidade.

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