Covid-19: UE desiste de repor controlos fronteiriços na Irlanda por causa das vacinas

Os planos de accionar um mecanismo no acordo do “Brexit” para controlar o fornecimento das doses da vacina da AstraZeneca originou uma pequena crise entre Londres e Bruxelas.

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Von der Leyen teve de recuar perante a pressão britânica e irlandesa Daniel Rocha

A União Europeia viu-se obrigada a recuar na decisão de accionar uma cláusula no acordo do “Brexit” que, na prática, iria repor os controlos fronteiriços entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda por causa da escassez de vacinas contra a covid-19.

Em causa estava a intenção de Bruxelas de invocar o artigo 16 do Protocolo para a Irlanda do Norte do acordo assinado com o Reino Unido, que permite a suspensão dos seus efeitos perante “dificuldades económicas, sociais e ambientais”. O acordo de saída do Reino Unido da UE prevê a ausência de controlos fronteiriços entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, como forma de salvaguardar os acordos de paz na ilha.

No entanto, a UE revelou na sexta-feira que pretendia suspender essa disposição, menos de um mês da entrada em vigor do acordo, para garantir que a farmacêutica AstraZeneca não estava a violar o contrato de fornecimento de vacinas contra a covid-19, enviando-as para território britânico.

A decisão foi duramente criticada pelos governos de Londres, Dublin e Belfast, e até pelo arcebispo de Cantuária, Justin Welby, diz o Guardian. O Governo britânico exigiu de imediato explicações a Bruxelas e lembrou a “importância de preservar os benefícios do Acordo de Sexta-Feira Santa”, assinado em 1998 pondo fim ao conflito na Irlanda do Norte. A primeira-ministra norte-irlandesa, Arlene Foster, foi ainda mais longe e considerou a invocação do artigo 16 como “um acto de incrível hostilidade”.

Pressionada, a UE não encontrou forma de manter a sua intenção e recuou ao fim do dia de sexta-feira. “A Comissão vai garantir que o Protocolo da Irlanda do Norte/Irlanda não é afectado”, revelou o executivo europeu através de um comunicado. Porém, avisou, “se o trânsito de vacinas e substâncias activas para países terceiros for abusado de forma a contornar os efeitos do sistema de autorização, a UE irá considerar usar todos os instrumentos à sua disposição”.

O ziguezague de Bruxelas reflecte a enorme preocupação gerada pelas falhas por parte da AstraZeneca em cumprir as encomendas de vacinas. A farmacêutica revelou que não irá conseguir entregar sequer metade das 80 milhões de doses durante o mês de Fevereiro por ter encontrado problemas na fabricação da substância farmacológica na base da vacina.

A UE revelou publicamente esta sexta-feira pormenores do contrato assinado com a AstraZeneca para dar força ao seu argumento de que a farmacêutica teria de recorrer à capacidade de produção das fábricas no Reino Unido para cumprir com o que foi acordado.

Já de madrugada, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse ter tido “conversas construtivas” com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. “Concordámos no princípio de que não deve haver restrições à exportação de vacinas por empresas que estejam a cumprir as suas responsabilidades contratuais”, afirmou Von der Leyen.

A vacinação nos países da UE tem avançado de forma lenta, especialmente quando comparado com o que acontece nos EUA ou no Reino Unido. Nos 27 Estados-membros regista-se uma taxa de 2,5 vacinas administradas por cem pessoas, enquanto nos EUA essa taxa é de 7,9 e no Reino Unido é de 12,5, de acordo com a plataforma Our World in Data.

O atraso relatado pela AstraZeneca junta-se a notícias semelhantes na produção da vacina desenvolvida pela Pfizer, que comunicou a necessidade de abrandar o ritmo de trabalho durante o mês de Fevereiro.

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