Conselho da Europa rejeita reconhecimento facial para contratar, despedir e avaliar trabalhadores

As novas directrizes do Conselho da Europa determinam que o reconhecimento facial apenas pode ser usado como forma de autenticação. Contratar e despedir pessoas com base na tecnologia pode dar azo a discriminação.

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A publicação do documento marca o Dia da Protecção de Dados Thomas Peter/Reuters

Usar tecnologias de reconhecimento facial para contratar e despedir pessoas com base nos seus níveis de atenção, aparência ou estado de humor deve ser proibido, segundo um conjunto de directrizes publicadas esta quinta-feira pelo Conselho da Europa. Mesmo que os trabalhadores (actuais ou futuros) o autorizem, em causa está o desequilíbrio de poderes entre quem faz o pedido e quem o recebe. 

A publicação do documento marca o Dia da Protecção de Dados, um evento internacional que ocorre anualmente a 28 de Janeiro. 

“Associar a identificação e caracterização de emoções humanas [através do reconhecimento facial] com o recrutamento de pessoas, acesso a seguros, ou educação pode apresentar riscos elevados a um nível individual e social, e deve ser proibido”, lê-se no texto.

Do mesmo modo, o Conselho da Europa recomenda banir o “uso de reconhecimento facial que tem como único propósito determinar a cor da pele de alguém, crenças, sexo, origem étnica, idade, estado de saúde e condição social”, quando não existem “garantias apropriadas” para evitar casos de discriminação. O tipo de garantias necessárias não é especificado. 

As directrizes não são vinculativas, mas representam um dos guias mais extensos publicados até agora sobre reconhecimento facial na Europa. O “consentimento”, esclarece o documento, não deve ser a “base jurídica utilizada para [permitir] o reconhecimento facial por parte de autoridades públicas”, tendo em conta o “desequilíbrio de poderes entre as pessoas em causa e essas autoridades”.

O objectivo do Conselho da Europa — a principal organização de defesa dos direitos humanos no continente — é influenciar a legislação dos vários países.

Autenticação não mexe com direitos

De acordo com as guias do Conselho da Europa, a tecnologia de reconhecimento só é válida para propósitos de autenticação (como aceder ao espaço de trabalho ou comprovar a identidade de alguém). Ainda assim, deve existir uma alternativa para pessoas que não queiram usar a tecnologia, como uma palavra-passe ou um crachá, e esta alternativa “deve ser de utilização fácil”.

Caso contrário, alertam os regulares, os utilizadores não podem fazer uma “escolha genuína”.

Em Janeiro de 2020, o Governo português revelou intenções de criar um sistema de reconhecimento facial para usar a chave móvel digital —  ferramenta que já permite aceder a vários serviços online do Estado, como o Portal das Finanças, a Segurança Social e serviços do Sistema Nacional de Saúde. O objectivo da medida, chamada CMD Simplex, é fazer com que a chave móvel digital seja mais fácil de utilizar.

Entre a segurança e a privacidade

As novas recomendações do Conselho da Europa passam a integrar a Convenção 108 do Conselho da Europa, que determina a protecção de pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento automatizado de dados pessoais. Esta é uma preocupação cada vez maior entre os reguladores europeus, que temem que algumas tecnologias interfiram nos direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente o direito à privacidade. Um dos problemas é a falta de transparência na forma como algoritmos com inteligência artificial funcionam. 

Em Janeiro de 2020, jornalistas da rede de media pan-europeia Euractive revelaram um rascunho de proposta da Comissão Europeia que incluía uma proibição da tecnologia de reconhecimento facial em espaços públicos durante três a cinco anos, para dar tempo aos reguladores de desenvolver métodos para gerir eventuais riscos.

A proposta acabou por ser abandonada devido à forte contestação de alguns países e organizações internacionais que pediam mais clareza. Apesar de possíveis riscos para a privacidade, a tecnologia tornou-se uma ferramenta de segurança pública em alguns países.

Em 2020, por exemplo, a polícia londrina começou a testar um sistema de reconhecimento facial em lugares-chave da cidade para encontrar criminosos. A iniciativa foi fortemente criticada, porque nos testes-piloto, feitos entre 2016 e 2018, a percentagem de “falsos positivos” rondou os 96%. Em Agosto de 2020, o Tribunal da Relação de Londres deu razão aos protestantes e determinou a prática como “uma infracção aos direitos humanos”, obrigando as autoridades a definir parâmetros legais mais claros para a sua utilização.

No Parlamento Europeu, o debate continua, com alguns eurodeputados a defender uma proibição total do uso da tecnologia por agentes da autoridade.

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