A direita em estado de alerta!

Hoje, é a direita que tem um problema para governar – e é isto que nos deve preocupar.

O discurso de Rui Rio, na noite das eleições, devia deixar-nos preocupados. É certo que ainda não tinha ouvido o que Ventura tinha para lhe gritar aos ouvidos: “PSD, ouve bem! Não haverá governo em Portugal sem o Chega!” Mas, ao anunciar a “esmagadora derrota da esquerda”, o que Rio e alguns comentadores quiseram apagar foi que a direita, essa sim, teve uma derrota “esmagadora”, que devia preocupar mesmo aqueles que, como eu, não se revêm no seu ideário.

É verdade que os partidos tradicionais da direita – o PPD e o CDS – que tinham alternado com o PS, durante as últimas décadas, as responsabilidades do executivo, se desmembraram depois do governo da troika, que, com a bênção de Cavaco, minou a confiança dos portugueses nas instituições, convidou a emigrar muitos dos nossos jovens qualificados, enfraqueceu o papel do Estado e dos serviços públicos, entregou as nossas empresas estratégicas a interesses estrangeiros, gabando-se de ter ido “para além da troika”. Ora, mais do que nunca, o país precisa de uma direita com líderes que defendam as posições dos seus partidos, no respeito pela Constituição e pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, qualquer que seja o programa que se proponham para lá chegar.

Na “Europa livre” do pós-guerra – de que Portugal e a Espanha ficaram isolados durante décadas –, foram, sobretudo, os partidos social-democratas e democratas-cristãos que evitaram os extremismos com que se confrontaram, durante a “Guerra Fria”, as ideologias dos dois blocos. Em Portugal, a seguir ao 25 de Abril, graças, sobretudo, a Mário Soares e aos moderados de Abril, foi possível afastar as ameaças dos extremismos e aprendermos a viver com a democracia e com a Europa.

Durante anos, foi a esquerda que teve mais dificuldade em governar, porque o PCP e, depois, o BE, por preconceitos ideológicos, não faziam parte de uma solução que unisse a esquerda democrática. António Costa quebrou esse tabu. Mesmo se não entraram para o governo, ambos, mostrando sentido das responsabilidades, aceitaram fazer parte do pacto a que, depreciativamente, a direita ressabiada chamou a “geringonça”. Marcelo, que apagou a imagem mumificada de Cavaco, deu-lhe, como devia, o apoio institucional, mesmo se, para isso, fez a direita conter a raiva durante estes cinco anos.

Por isso, hoje, é a direita que tem um problema para governar – e é isto que nos deve preocupar. Sem candidato, por não querer entrar em conflito com Marcelo, de quem espera que abençoe um dia o seu regresso ao poder (Costa também não apresentou candidato, porque sabe que o PR, em qualquer circunstância, respeitará a maioria parlamentar), a direita colocou-se num beco sem saída: não pode aliar-se ao Chega, mas também não pode entregar a sua ideologia à Iniciativa Liberal, que defende o regresso das teorias de Hayek e de Friedman, que, no final dos anos 20 e depois da queda da URSS, ajudaram a fragilizar, no mundo ocidental, ao mesmo tempo, a confiança no Estado e no mercado!

Ventura, na sua histeria demagógica, perdeu a vergonha e atreve-se a dizer que seria o presidente dos “portugueses de bem”, o que significa que 90% dos eleitores são portugueses a abater. E gaba-se de ter conquistado votos aos comunistas, que ele gostaria, como os ciganos, de exterminar. Além disso, com o atrevimento que lhe dá a subida dos votos, anuncia abertamente que quer destruir a Constituição e inaugurar a 4.ª República – para os incautos, lembre-se que a 2.ª República foi a ditadura do Estado Novo! 

Há muitas direitas, como há muitas esquerdas, mas é necessário que a direita democrática faça agora o seu trabalho: definir a sua ideologia, reconquistar o seu eleitorado democrático, contribuir, na oposição ou no poder, para corrigir os desvios e as vulnerabilidades da democracia e melhorar os seus instrumentos de escrutínio da acção do executivo, do Parlamento e da Justiça.

Nestes tempos de incerteza, a eleição de Joe Biden é, depois da eleição de Roosevelt em 1933, uma esperança para o mundo: goste-se ou não, a América é o farol da democracia; e esta prova de apego aos valores da liberdade que os americanos deram deve servir-nos de guia e de exemplo, para afastar os fantasmas da demagogia populista e reforçar o nosso apego à liberdade e à democracia.

Cineasta e cidadão

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