Covid-19: polémico acordo com a Pfizer tornou Israel no líder da vacinação a nível mundial

Em troca do abastecimento contínuo e rápido de vacinas, Israel fornece dados dos seus doentes à Pfizer, o que tem levantado questões quanto à privacidade dos israelitas. Benjamin Netanyahu, que procura a reeleição em Março, diz que Estado hebraico é o “laboratório mundial para a imunidade de grupo”.

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Benjamin Netanyahu recebeu a segunda dose da vacina a 9 de Janeiro Reuters

Desde que começou a inocular a sua população, a 19 de Dezembro do ano passado, Israel tem liderado a corrida na vacinação contra a covid-19 a nível mundial e em pouco mais de um mês já conseguiu vacinar cerca de um terço dos seus nove milhões de habitantes. Até final de Maio, o Governo israelita espera ter 80% da sua população vacinada.

De acordo com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, mais de 82% dos cidadãos com 60 ou mais anos já foram inoculados e as autoridades sanitárias já começaram a vacinar as pessoas com mais de 35 anos, além dos jovens entre os 16 e os 18, um grupo que tem apresentado elevadas taxas de infecção e que se prepara para os exames escolares nos próximos meses, daí a prioridade que lhe foi dada pelo Governo.

Enquanto a União Europeia luta para garantir o fornecimento da vacina contra a covid-19, o fluxo de vacinas a chegar a Israel - o país com o maior número de doses administradas por cada cem habitantes, segundo os dados do Our World In Data, - não dá sinais de enfrentar constrangimentos, com o país a receber entre 400 mil a 700 mil doses por semana, esperando receber mais de dez milhões de vacinas da Pfizer/BioNTech até final de Março.

A rapidez, quer a receber as vacinas quer a inocular a população, contudo, teve um elevado custo e deve-se a um polémico acordo entre o Governo de Netanyahu, que procura a sua reeleição em Março e por isso quer acelerar o processo de vacinação, e a Pfizer/BioNTech, cujos contornos não são totalmente conhecidos e levantam questões quanto à privacidade dos israelitas.

Além de ter pagado um valor mais elevado pelas vacinas comparativamente à União Europeia – de acordo com a imprensa israelita, o Estado hebraico pagou mais de 25 euros por cada dose, o dobro do que é pago por Bruxelas -, o Governo de Israel aceitou fornecer bases de dados do seu sofisticado sistema de saúde à farmacêutica, que, por seu lado, comprometeu-se em entregar rapidamente as vacinas.

Segundo a informação que tem sido divulgado nos media, o acordo entre o Governo e a Pfizer prevê que as autoridades israelitas enviem, semanalmente, informações clínicas sobre os seus doentes, dados fundamentais para a farmacêutica aferir a eficácia da sua vacina.

O Governo israelita garante que a Pfizer não terá acesso a informação pessoal dos doentes, mas apenas a dados demográficos agregados e anónimos, isto apesar de vários especialistas alertarem que pode ser divulgada informação sensível durante um processo cujos resultados, segundo Netanyahu, vão ser partilhados com o resto do mundo e que vão “ajudar a desenvolver estratégias para derrotar o coronavírus”.

Num discurso virtual no Fórum Económico Mundial de Davos, na quarta-feira, o primeiro-ministro israelita disse que Israel pode tornar-se no “laboratório mundial para a imunidade de grupo”.

O sofisticado sistema de saúde israelita, em que cada pessoa tem um registo informatizado do seu historial médico, assim como as suas boas infra-estruturas de saúde e capacidade para armazenar e distribuir a vacina, tornaram Israel um país atractivo para a Pfizer/BioNtech.

“Se mostrarmos que somos capazes de controlar a doença e que Israel será capaz de regressar a uma vida quase normal mais rápido do que qualquer outro país, será uma publicidade maravilhosa para a Pfizer”, disse ao The Washington Post Amnon Lahad, director do Comité Nacional de Saúde Comunitária, uma organização que aconselha o Ministério da Saúde israelita.

Além da rapidez na vacinação, os primeiros resultados são animadores, sobretudo entre os israelitas que já receberam a segunda dose da vacina da Pfizer/BioNTech - apenas 0,014% das pessoas ficaram infectadas com o SARS-CoV-2 uma semana depois da inoculação, e nenhuma teve sintomas graves, segundo o The New York Times

Eleições em vista

Enquanto os olhos do mundo estão postos em Israel, que se tornou numa espécie de cobaia a nível mundial quanto ao processo de vacinação e ao que pode ser um possível regresso à normalidade no futuro, Benjamin Netanyahu torce pelo sucesso da vacinação com as eleições de 23 de Março em vista.

O primeiro-ministro e o seu Likud, cujo Governo foi dissolvido pelo Parlamento em Dezembro, vão a votos daqui a menos de dois meses e Netanyahu espera utilizar o sucesso na vacinação como um trunfo para cimentar o seu poder e deixar para trás a vaga de contestação de que foi alvo nas ruas de Telavive em 2020.

Contudo, apesar dos resultados animadores no primeiro mês de vacinação, Israel continua sob confinamento e a registar uma média diária de 8000 casos de SARS-CoV-2, com as comunidades ultra-ortodoxas a gerarem particular apreensão, o que pode causar dores de cabeça a Netanyahu, que conta com o apoio destas para garantir a reeleição.

Conforme escreve a AP, as comunidades ultra-ortodoxas são responsáveis por cerca de 40% das novas infecções em Israel e os seus membros têm resistido a cumprir o confinamento, mantendo escolas abertas e sinagogas cheias, verificando-se confrontos recorrentes com a polícia. Além disso, a vacinação entre estas comunidades, mais resistentes à ciência, está a decorrer a um ritmo muito mais lento do que no resto da população, e o descontentamento com o Governo tem vindo a aumentar.

O Governo de Netanyahu também tem sido alvo de críticas por excluir os palestinianos do seu processo de vacinação, com o Estado hebraico a defender que não é obrigado a vacinar os cidadãos da Cisjordânia e da Faixa Gaza, uma vez que estes têm o seu próprio governo.

As Nações Unidas, no entanto, apelaram a Israel para ajudar os palestinianos, que esperam adquirir vacinas da Rússia para inocular a sua população, afirmando que é “moral e legalmente” inaceitável que os territórios ocupados sejam excluídos do processo, agravando o fosso entre israelitas e palestinianos.

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