Filhos de profissionais de funções essenciais preenchem vazio em escola de Oeiras

São filhos de enfermeiras, polícias, auxiliares de apoio domiciliário e técnicos de reparação e manutenção que passam os dias confinados na escola enquanto os seus pais se encontram na linha da frente em tempo de pandemia.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Longe da agitação de um dia normal, a Escola Básica de Porto Salvo, em Oeiras, acorda para acolher os filhos dos profissionais em funções essenciais durante o confinamento geral e distribuir refeições para as famílias dos alunos mais carenciados.

O dia apresenta-se cinzento e as crianças chegam a conta-gotas. Ao todo são 10. São 10 filhos de enfermeiras, polícias, auxiliares de apoio domiciliário e técnicos de reparação e manutenção daquele concelho, no distrito de Lisboa, que passam os dias confinados na escola, com actividades lúdicas, enquanto os seus pais se encontram na linha da frente em tempo de pandemia.

O relógio bate às 09h00. Antes de entrar ao serviço, Andreia Camilo deixa a sua filha de 6 anos no portão do estabelecimento de ensino. Andreia trata de idosos e é motorista de crianças num centro social paroquial.

Em declarações à agência Lusa, Andreia Camilo conta que não pode estar em casa a cuidar da filha: “Por ser um trabalho essencial tive de a deixar na escola de acolhimento. Não posso ir para casa”.

Para esta mãe, a iniciativa da Câmara Municipal de Oeiras é “muito importante”, porque sem a mesma não poderia continuar a trabalhar.

“Acho que é um óptimo projecto, facilita imenso a nossa profissão, que é essencial neste momento, porque os idosos estão muito isolados e precisam do nosso apoio. Tendo a escola de acolhimento facilita imenso para trabalhar”, acrescenta.

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Também Isabel Tavares concorda com Andreia Camilo, dizendo que vai para o trabalho “mais aliviada” depois de deixar a filha de 6 anos na EB de Porto Salvo.

“No ano passado, em Março, eu não sabia desta iniciativa e fiquei com a menina em casa. Metade do valor do meu ordenado foi retirado e recebi muito pouco. Fez-me uma grande diferença ter ficado com ela em casa”, afirma, enquanto a campainha toca.

A trabalhar no apoio domiciliário no centro social de Nossa Senhora de Porto Salvo, Isabel Tavares explica que, face à situação pandémica, seria muito complicado não ter ninguém para cuidar da sua filha.

"Tenho de trabalhar"

Numa escola praticamente vazia, as poucas crianças tentam fazer esquecer os problemas dos adultos, devido ao contexto pandémico, e correm de forma desenfreada sem pensar no dia de amanhã.

João Carlos, técnico de refrigeração, considera que a escola de acolhimento é boa para a sua filha de 7 anos, porque a mantém ocupada.

“É bom, porque não tenho onde deixar a minha filha neste momento”, diz, adiantando que a sua mulher trabalha num hospital e, como ele, trabalha “na primeira linha”. “Trabalho com supermercados, com várias entidades comerciais. Tenho de trabalhar e a minha esposa também”, reitera.

À Lusa, a coordenadora do estabelecimento de ensino, Leonor Loureiro, lembra que se trata de um grande projecto que dá a oportunidade às crianças de não ficarem em casa, enquanto os seus pais trabalham.

À semelhança do que aconteceu entre Março e Abril de 2020, as crianças são recebidas com toda a segurança. “Toda a segurança, neste momento, é acautelada. Já antes era com cerca de 500 crianças nesta escola, mas agora também com 10 crianças temos essa oportunidade de fazer um bom trabalho em segurança”, diz, lembrando que acolhem também crianças de outras escolas.

Os estabelecimentos de ensino, públicos e privados, estão encerrados desde sexta-feira, uma medida tomada pelo Governo para conter a propagação da covid-19, estando abertas algumas escolas para acolher os filhos de profissionais considerados essenciais, permitindo assim que estes continuem a trabalhar.

Com um plano semanal de actividade lúdicas, como visionamento de filmes e momentos de leitura, Leonor Loureiro revela que o número de crianças, durante a interrupção lectiva, poderá ainda aumentar.

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Um refeição quente

Pelas 12h00, as pessoas começam a formar fila junto à garagem da escola para levantar uma refeição quente para levar para as suas casas.

“Está a ajudar-me muito, porque agora estou desempregada. O meu marido não está a trabalhar também. Agora está parado e não recebe nada. As dificuldades são muitas na minha casa”, indica Paula Soares, com um saco composto por bens alimentares. Paula Soares conta apenas com um rendimento de 200 euros, depois de ter ficado reformada.

Também Marta Bragança, desempregada e mãe de três filhos, considera a ajuda da Câmara Municipal de Oeiras boa: “É óptimo, porque nós estamos a passar por uma situação difícil e estas ajudas são boas”.

Desde a passada sexta-feira, 182 famílias já requereram 654 refeições diárias no concelho de Oeiras. “As famílias que vêm aqui buscar a refeição são pais ou mães de crianças em idade escolar”, afirma à Lusa o presidente do município, ressalvando que o projecto é uma réplica daquilo que foi feito no ano passado.

De acordo com Isaltino Morais, verificou-se que, através do primeiro confinamento, havia muitas crianças em idade escolar com dificuldades de alimentação.

“Nesta circunstância, instalámos duas cantinas nas escolas que estão a servir refeições às crianças. Em apenas dois dias foram servidas 400 e tal refeições, a tendência é para crescer”, adianta.

Apontando para cerca de três mil famílias carenciadas apoiadas pelo município, Isaltino Morais recorda que há outras “dimensões de apoio” e que o concelho já se está a preparar para o futuro com um investimento avultado.

“A previsão que nós temos é na ordem dos 12 milhões de euros para 2021. [...] Tem um custo muito elevado, mas nesta altura nós não podemos fazer contas aos custos”, indica.

Em 2021, a Câmara Municipal de Oeiras conta em apoiar as famílias mais necessitadas no pagamento das rendas e noutras “medidas preventivas”, devido aos “estragos decorrentes da situação económica” provocado pela pandemia.

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