Que nunca la lhéngua bos duola

Se as barragens estão em Miranda ou Foz Côa, dê-se às suas populações uma pequeníssima parte das receitas que geram. E se o Governo é incapaz de perceber esse gesto de justiça territorial, que não faltem associações como o Movimento Cultural Terra de Miranda a lembrá-lo.

Os discursos do Governo sobre o interior não passam de palavras de circunstância e basta ver o que está a acontecer com a venda por 2200 milhões de euros das barragens da EDP no Douro e afluentes ao consórcio francês Engie para tirar dúvidas. Está lá tudo. Não é defensável que a EDP devesse ser impedida de vender a estrangeiros a concessão da exploração de um recurso público – a água –, até porque, entretanto, comprou uma eólica espanhola.

Não é que os seus gestores sejam punidos por tentarem evitar pagar imposto do selo. Ou por procurarem não meter no negócio a pesada factura dos danos paisagísticos e ambientais das barragens em municípios pobres, que a EDP tratou até este século como territórios sujeitos ao extractivismo das economias coloniais. Não, o problema aqui não é dos privados ou principalmente dos privados.

O problema é do Estado ou, melhor, do Governo. Que nada fez para defender os interesses dos municípios. Que não exigiu que o pagamento do imposto do selo fizesse parte do negócio. Que foi obrigado pelo Parlamento, sob proposta do PSD e voto contra do PS, a criar no Orçamento deste ano um fundo para usar essa receita ainda em aberto para distribuir pelo tal interior que tanto diz defender.

Se esta quarta-feira a Assembleia ouviu o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e o ministro do Ambiente dizerem que, se “se houve planeamento fiscal agressivo”, a autoridade tributária tratará de o corrigir, é porque a oposição, do PSD ao Bloco, se movimentou e, principalmente, porque em Miranda houve um grupo de cidadãos que não se calaram em defesa da equidade territorial e da justiça.

É disso que se trata: de equidade. Se a Engie promete sediar a sua operação em Miranda do Douro, a EDP funcionou até à construção de Foz Tua como uma exploradora de recursos locais que distribuía as suas mais-valias e liquidava impostos em Lisboa. Se pagasse IMI ou derrama sobre lucros nos municípios durienses onde tem barragens, a região seria hoje bem mais rica e povoada.

O que se trata agora, com os estimados 110 milhões de euros de imposto do selo, não é reparar esses danos e omissões do passado impostos ao interior pelo Portugal centralista: é apenas um gesto que pode significar uma pequena mudança.

Se as barragens estão em Miranda ou Foz Côa, dê-se às suas populações uma pequeníssima parte das receitas que geram. E se o Governo é incapaz de perceber esse gesto de justiça territorial, que não faltem associações como o Movimento Cultural Terra de Miranda a lembrá-lo. Na outra língua de Portugal, “que nunca la lhéngua bos duola”.

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