Carta Aberta sobre os critérios para vacinação prioritária no Plano de Vacinação contra a covid-19

Um grupo de cidadãos apela à revisão urgente dos critérios de vacinação para que sejam prioritariamente vacinados os maiores de 80 anos, em respeito pelo compromisso de Portugal junto da Comissão Europeia.

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Reuters/ADRIANO MACHADO

Exmo. Senhor Presidente da República,
Exmo. Senhor Primeiro Ministro,

Somos um grupo de cidadãos, de diferentes gerações e profissões, preocupados com os critérios adotados na definição dos grupos prioritários a vacinar contra a covid-19. Alguns de nós são cientistas com conhecimento nesta área, outros têm experiência em políticas públicas e outros ainda são conhecidos pela sua intervenção cívica. O que nos une não é um juízo político, mas um imperativo ético e uma preocupação científica.

Não ignoramos quão difíceis são as decisões a tomar num contexto complexo e perante a escassez inicial de vacinas. Mas é por essa razão que a identificação dos grupos a vacinar prioritariamente tem de estar sujeita a um escrutínio reforçado.

Os critérios que estabelecem as prioridades têm de ser claros e transparentes, conformes a princípios éticos irrepreensíveis e resultar de um processo inclusivo e cientificamente rigoroso. Tal é também fundamental para assegurar a confiança pública necessária à eficácia de todo o processo de vacinação.

É nossa opinião que os critérios até hoje previstos no plano de vacinação contra a covid-19 não cumprem esses requisitos e podem ser significativamente melhorados. Devem ser prioritariamente vacinados aqueles cuja vida o vírus coloca mais em risco. Não é eticamente aceitável valorizar uma vida mais do que outra. A expectativa ou a qualidade de vida não podem assim constituir um critério suscetível de justificar qualquer preferência na proteção de uma vida face a outra. Pensamos que este princípio humanista, de igual dignidade da vida humana, é consensual entre todos os portugueses e não acreditamos que os atuais critérios possam assentar em qualquer outro juízo. A prioridade terá de ser conferida à vacinação dos grupos mais em risco e daqueles que os podem proteger. A evidência científica é clara quanto a quais são os grupos de risco e a prevalência do fator etário.

Dois terços da mortalidade concentra-se nos maiores de 80 anos. Como diz o relatório do Centro Europeu de Controle de Doenças, que analisa diferentes estratégias e prioridades de vacinação, durante a fase inicial, em que o número de vacinas disponíveis é limitado, a forma mais eficaz de reduzir o número total de mortos é vacinar os maiores de 80 anos e o pessoal médico e de saúde [1]. Foi com base nestes mesmos pressupostos científicos que a Comissão Europeia recomendou a todos os Estados membros que vacinem até Março um mínimo de 80% dos maiores de 80 anos e dos profissionais de saúde [2]. O primeiro ministro comprometeu-se publicamente em Bruxelas, perante a presidente da Comissão Senhora Von der Leyen, a concretizar esta orientação. A grande maioria dos Estados, incluindo aqueles com melhores práticas médicas e científicas, têm vindo a organizar o processo de vacinação começando pelos grupos etários mais velhos.

Acontece que estes não são os critérios previstos no atual plano de vacinação em Portugal. Declarações recentes do coordenador da task-force dão a entender a intenção de não alterar os critérios no que diz respeito ao fator da idade, continuando dessa forma a desvalorizar a incidência prevalente da mortalidade nos mais idosos. Observámos, ontem mesmo, já depois de escrita a versão original deste texto, que a ministra da Saúde abriu a porta a essa revisão seguindo as orientações da Comissão Europeia que reconhecem a evidência científica há muito expressa nos planos de vacinação dos países europeus.

Mas está por apresentar um Plano de Vacinação corrigido que incorpore o fator idade como elemento essencial das prioridades da vacinação. É para isso que apelamos antes que seja demasiado tarde e se tenha perdido uma boa parte de uma geração.

Os signatários

Manuel Alegre
Maria João Amorim
Teresa Pizarro Beleza
Rui Costa
Mónica Bettencourt-Dias
Adalberto Campos Fernandes
Filipe Froes
António Silva Graça
Eduardo Marçal Grilo
José Vera Jardim
Manuel Lopes
Alberto Martins
Maria do Céu Machado
Miguel Poiares Maduro
Helena Pereira de Melo
Henrique Monteiro
André Pereira
Vitor Ramos
Maria de Belém Roseira
Constantino Sakellarides
Pedro Simas
José Aranda da Silva
José Germano de Sousa

[1] Covid -19 Vaccination and Prioritisation Strategies in the EU/EEA, Technical Report, 22 December 2020, European Centre for Disease Prevention and Control, p. 13
[2] Communication from the Commission to the European Parliament, the European Council, and the Council – A United Front to Beat Covid-19, 19 de Janeiro de 2021

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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