Aprender a (re)viver o confinamento

Meditar, praticar ioga, dançar e mexer em casa ajudam a manter a mente sã. Respirar, andar, correr, dançar, mexer, falar com pessoas, ainda mais. Cantar e gritar é aceitável quando tem que ser - desculpem, vizinhos, mas tem mesmo que ser.

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United Nations/Unsplash

Na fila para pagar no supermercado, observo as emoções à flor da pele, as minhas e as dos outros, e os comportamentos do confinamento que se começam a repetir. Estamos praticamente colados uns aos outros, com os sacos de pano e carrinhos cheios sabe-se lá de quê. Parece-me um mix de medo, papel higiénico e esperança que isto acabe rápido. Está uma fila enorme e tudo impaciente. Respiro. Volto a inspirar mais profundamente e tento ficar na fila. Expiro e reformulo o meu pensamento. 

O ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro, Belchior toca na minha cabeça. Não vou ficar na fila. Janto o que tenho em casa e amanhã logo regresso, com mais paciência e menos gente. Então, largo tudo, agarro no cão que esperava à porta e vou até ao miradouro sentar-me no muro para respirar mais um bocado.

Se há coisa que decidi desta vez, inspirada por Belchior e Emicida - se ainda não viram o documentário ​AmarElo - É tudo pra ontem,​ na Netflix, eis duas horas bem gastas -, foi não me deixar morrer de novo. Falo de uma morte colateral ao vírus, em que a vida é fechada em casa atrás das persianas, dos medos primitivos e da culpa inquisitiva. Expiro de novo. Mas como fazer isto sem nos pormos em risco, a nós e aos outros? 

Não tenho todas as respostas, mas posso relembrar-nos o que aprendemos no ano passado. Aqui vai. 

Aprendemos a não tomar nada por adquirido, sobretudo as liberdades mais simples como ir tomar café com os amigos ou dar um beijinho aos avós. Que o atum em lata, o esparguete e o papel higiénico não vão acabar, não para já. Agora sabemos que os primeiros dias são os mais complicados, mas que depois nos acostumamos. Isso e que não vale a pena limpar a casa toda de uma vez, muito menos arrumar tudo logo. Mais prudente deixar alguma coisa para entreter amanhã. 

Meditar, praticar ioga, dançar e mexer em casa ajudam a manter a mente sã. Respirar, andar, correr, dançar, mexer, falar com pessoas, ainda mais. Cantar e gritar é aceitável quando tem que ser - desculpem, vizinhos, mas tem mesmo que ser. “Vai ficar tudo bem”, mas não se sabe quando, por isso o melhor é fazer mute às contas do Instagram que potenciam uma ​positividade tóxica. Isso e receitas de banana bread vegan. Reformulo. O melhor é apagar essas contas e procurar coisas mais interessantes para seguir, mais alinhadas connosco em 2021, quiçá um bolo de chocolate com lacticínios e açúcar branco. 

Socializar online com cuidado. Socializar na vida real, com mais cuidado ainda. E bom senso, o qual sabemos que não temos todos em doses iguais. A saúde está sempre primeiro: cuidar do corpo com boa comida, hidratação e mimo, e da mente com ainda mais carinho. Pedir ajuda e não isolar são as ordens do dia. Distanciamento físico, sim, mas não social. Passo a passo, aprendemos a encontrar o nosso equilíbrio individual, que, tal como as regras, muda a toda a hora.

Então e como gerir a estrutura e a rotina, mantendo alguma flexibilidade? Também não sei, mas escrever um diário, meditar e falar sobre isso ajudam-me. Tal como descansar. Que não é um luxo, mas uma função essencial, sobretudo quando já desgastamos as baterias todas. Isso e criar objectivos realistas, que nos deixem ​tick all the boxes,​ ou não castigar quando não preenchemos nem uma.

E que mais? Que devemos aproveitar as coisas boas da vida quando podemos e enquanto podemos. Um passeio higiénico, um sorriso escondido pela máscara, um olhar roubado no café, um café. Isso e usarmos os jardins, os parques e os miradouros como varandas e quintais. Ir à rua. Os passeios higiénicos fazem bem. Da mesma maneira que lavamos o corpo, devemos lavar a mente, pobrezinha, bombardeada a toda a hora por números nada animadores, notícias tingidas a negro e filtros amadores de vidas não tão amadas. 

E a lista continua, qual lista de compras, as mesmas que deixei suspensas no supermercado no outro dia, dia em que ainda se podia ir à rua. Continuemos a respirar. E a acreditar.

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