A “caricata” história dos livros prometidos que tardam em aparecer

As crianças lisboetas talvez não saibam, mas desde há oito meses que lhes está prometido um presente. Só que a burocracia meteu-se no caminho.

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Enric Vives-Rubio

Era para ter sido um daqueles acontecimentos que ocupam a coluna das notícias breves como rodapé simpático em tempo de provação, mas o que começou como uma medida bem acolhida por todos os partidos tornou-se numa insólita história de calvário burocrático.

Em Maio passado, os vereadores do CDS instaram a Câmara de Lisboa a oferecer um livro a todas as crianças da cidade até aos 12 anos. Era uma forma de assinalar o Dia da Criança num ano atípico e de ajudar o sector livreiro, disse então Assunção Cristas. Os restantes eleitos aplaudiram e votaram unanimemente a ideia.

Decorridos oito meses, foram entregues livros a um total de zero crianças.

Toda a gente acha que já passou demasiado tempo. Manuel Grilo disse-o, Fernando Medina também, Assunção Cristas mais do que todos. Só que este invulgar consenso de pouco tem servido para pôr em marcha a proposta aprovada, que está enredada em burocracia e tem saltado de gabinete em gabinete.

Começou por enfrentar dificuldades temporais e orçamentais. Quando a proposta foi aprovada, a 25 de Maio, faltava pouco tempo para o Dia da Criança. Com as escolas fechadas e os alunos a estudar em casa colocava-se ainda a dúvida de como entregar-lhes os livros, pelo menos a tempo das férias de Verão. Mas, problema maior, no orçamento municipal não havia uma rubrica que acautelasse a compra de cerca de 41 mil livros.

Assim, Assunção Cristas ficou à espera que fosse levada a votos a proposta de cabimentação financeira, que só pode ser apresentada pelos vereadores com pelouro – neste caso, os do PS e o do BE. A centrista foi esperando e questionando. “Eu já não sei quantas vezes falei deste assunto”, admite.

Na reunião pública de Outubro, para tentar acelerar o processo, o CDS apresentou nova proposta em que propunha que, em vez de livros, a câmara oferecesse antes vouchers de 12 euros para que fossem as crianças a deslocar-se às livrarias e a comprar os livros da sua preferência. O documento não chegou a ir a votos por decisão de Fernando Medina.

“A falha tem sido da câmara”, penitenciou-se o autarca. “Tem sido ainda não se ter encontrado um mecanismo para cumprir a deliberação que foi aprovada.” O presidente agendou uma reunião entre o seu gabinete e o dos vereadores da Cultura e da Educação “para que de uma vez por todas se defina qual é o método e para que no Natal se cumpra”.

Um mês depois, o vereador da Educação, Manuel Grilo, garantia que o prazo-limite para o cumprimento da promessa era mesmo o Natal. “Eu previa já a pergunta da sra. vereadora e hoje a primeira coisa que fiz foi colocar esta questão junto do departamento de Educação e o que me disseram foi que estavam a articular com o departamento de Cultura e que estavam em condições de avançar antes do Natal”, disse o eleito do BE. “Está a passar demasiado tempo”, reconheceu.

Passou um mês desde o Natal e Cristas continua sem saber quando vai afinal acontecer a entrega de livros. “Isto já se tornou numa situação caricata. Já estamos no segundo confinamento”, constata. “Na pandemia viu-se como se conseguem fazer investimentos de um dia para o outro, isto não é nada de extraordinário”, insurge-se a vereadora. Segundo as contas do CDS, a proposta terá um custo a rondar os 500 mil euros. “É mais um exemplo de como a capacidade de execução da câmara é muito baixa”, critica Assunção Cristas.

Na reunião pública desta quarta, a centrista vai voltar ao tema. Mas não é certo que obtenha uma resposta que a satisfaça. Contactada pelo PÚBLICO, a assessoria de imprensa do vereador Manuel Grilo informou que o assunto passou para o pelouro da Cultura.

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