Marcelo reeleito: “O segundo mandato não é um cheque em branco”

Com um discurso de vitória mobilizador para a prioridade absoluta que é a pandemia, o Presidente avisou, no entanto, que vai saber “tirar ilações” do reforço de confiança que sentiu dos portugueses.

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Marcelo Rebelo de Sousa fez um discurso de vitória mobilizador, mas com avisos Daniel Rocha

Pandemia foi a primeira, a segunda e a última palavra do discurso da reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República. “É a minha, a vossa, a nossa primeira missão: primeiro, conter e aliviar a pandemia, para depois podermos passar para o que tanto precisamos”, “a reconstrução”, disse. Foi um discurso mobilizador, mas também de reposicionamento político, no qual sugere que fará um segundo mandato mais interventivo, sobretudo na gestão da pandemia.

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Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu “de coração aberto e profundamente honrado” a confiança demonstrada por mais de 60% dos votantes – é agora o segundo Presidente reeleito com a maior votação da democracia. Assinalou o facto de, ainda que a abstenção tenha batido recordes, ter havido mais eleitores a votar em número absoluto do que há cinco anos – teve agora mais de 2,5 milhões de votos – e disse ter percebido os sinais políticos da sua votação.

“O segundo mandato não é um cheque em branco”, afirmou, numa declaração sem direito a perguntas, considerando que os portugueses querem “um Presidente próximo, que estabilize, que não seja dos bons contra os maus, que não seja de facção”. “Os portugueses querem mais e melhor em proximidade, em convergência, em estabilidade, em construção de pontes, em exigência, em justiça social e em gestão da pandemia”, afirmou, para sublinhar: “Entendi esse sinal e saberei dele tirar as devidas ilações.”

Esta foi a primeira mensagem que enumerou, num discurso de pouco mais de dez minutos, na sua Faculdade de Direito de Lisboa, numa sala apenas com jornalistas. A segunda foi colocar desde já um tema na agenda política: a revisão das leis eleitorais, quando prometeu “tudo fazer para influenciar” os legisladores a prever o voto postal ou por correspondência, cuja inexistência em eleições presidenciais prejudica sobretudo quem vive no estrangeiro.

Nunca tinha acontecido um candidato vencer em todos os concelhos do país, mostrando como os portugueses ainda se mantêm sobretudo ao centro, ainda que as margens cresçam, sobretudo à direita e fora do sistema. Marcelo não o referiu, mas considerou que a votação clara que obteve foi “a resposta mais importante do voto dos portugueses sobre o que querem e o que não querem: não querem uma crise infindável, um empobrecimento agravado, um sistema político lento a responder a novos desafios, não querem radicalização e extremismos na vida social e política”.

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Querem antes “a pandemia controlada, querem crescimento, querem uma perspectiva de futuro efectivo, uma presidência da UE que fortaleça a imagem de Portugal, querem fundos europeus geridos com transparência e eficácia, querem uma reconstrução que vá para além da mera recuperação, querem combate à pobreza e um sistema político sustentável, para que a sensação de vazio não convide a desesperos e aventuras, querem uma democracia que seja democrática e não uma democracia iliberal, não democrática”.

“Tudo começa e acaba no combate à pandemia”

Os sinais de preocupação com o crescimento da extrema-direita eram claros, mas não foi neles que Marcelo se centrou. O foco principal do seu discurso é o combate à pandemia e foi para as suas 10.469 vítimas mortais somadas até este domingo que o Presidente reeleito dirigiu o seu “primeiro e emocionado pensamento”. Mais tarde diria, no entanto, que “a maior homenagem aos mortos é cuidar dos vivos”, porque “tudo começa e acaba no combate à pandemia”.

Prometeu, por isso, “fazer tudo, mesmo tudo, para travar o processo que está a travar o sistema de saúde”. “Continua a ser essa a minha primeira missão, em solidariedade institucional total com a Assembleia da República e o Governo, e tentando envolver o maior número de partidos e parceiros sociais”, garantiu.

Não terminou sem acender a vela da esperança, porque “os portugueses querem um horizonte de esperança, projecto e sonho”. Disse que será possível “reencontrar o que perdemos na pandemia, ultrapassar as solidões multiplicadas, valorizar todos os dias as inclusões, as partilhas, os afectos”. E terminou com palavras idênticas às que proferiu há cinco anos, embora o contexto seja hoje tão diferente: “Que acima de uns e outros, sem separarem uns e outros, viva Portugal.”

Três discursos, dizia ele

Até os cestos dos votos estarem lavados, Marcelo tinha sido bastante prudente. À hora do almoço, quando votou em Celorico de Basto, o Presidente-candidato disse aos jornalistas ter três discursos escritos para a noite eleitoral, um para cada cenário: vitória, segunda volta e derrota. Uma forma de dizer que estava preparado para tudo, como acabou por dizer à chegada à sua casa em Cascais, ao fim da tarde.

As suas primeiras palavras foram para os portugueses que foram votar, numa altura em que se esperava uma abstenção menor do que a consumada: “Fico contente com o esforço dos portugueses, em tempos de pandemia e nalguns lugares com mau tempo.”

Ao seu estilo, foi a pé buscar o jantar – bife com ovo a cavalo e salada de tomate – e pelo caminho confessou aos jornalistas que o seu neto mais velho, que ele diz ser seu conselheiro, desta vez era contra a candidatura do avô. Sentou-se a acompanhar a noite eleitoral enquanto jantava e só saiu de casa às 22h30, depois de ouvir Rui Rio pedir-lhe que seja mais exigente com o Governo neste segundo mandato.

Pelo meio, ainda cumpriu a promessa de vir à porta comentar aos jornalistas as primeiras previsões, mas continuou cauteloso: “Só estou convencido quando vir os resultados finais”, disse, mesmo sabendo que já tinha uma grande vantagem. Marcelo sabe que todos os cuidados são poucos perante a mudança de ventos políticos nas margens do grande centro político que lhe deu a vitória.

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