Os direitos das crianças não estão de quarentena

Neste momento tão singular como o que atravessamos, a proteção e o bem-estar das nossas crianças e dos nossos jovens têm que ser monitorizados em todos os momentos. Somos nós, sociedade, que temos que estar à altura das circunstâncias.

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Jude Beck/Unsplash

Em conversa, a Ana (nome fictício), mãe de dois rebentos enérgicos, curiosos e em idade escolar, confidenciou-me que se os filhos ficarem em casa durante o novo confinamento entra em colapso nervoso. Não aguenta. Está saturada, à beira das lágrimas. Tem dificuldade em gerir o trabalho, as responsabilidades, a parentalidade e até o próprio casamento. Os desafios e o medo do futuro são uma constante, e a espiral descontrolada das emoções que sente é um espelho do que a maioria dos portugueses vivencia, mas não diz.

Os fins-de-semana têm sido difíceis e os dias penosos. Há muito para pensar, ajustar, refazer e ponderar. A gestão daquilo que se vive e sente vai sendo adiada, arrastada, camuflada e, por fim, anestesiada, formando uma torrente de fúria, angústia, pânico e desespero pronta a eclodir a qualquer momento. E como se tudo isto não bastasse, o País voltou a confinar.

Muitos pais ficarão de novo em casa a tempo inteiro, em teletrabalho. As saídas vão ficar restringidas ao mínimo indispensável, todos os dias, a todo o tempo, durante pelo menos um mês, crê-se. Os estabelecimentos de ensino já fecharam portas e o tempo de isolamento em casa com a família será maior. Isto significa que as crianças e os jovens passarão agora mais tempo com os pais ou com outros cuidadores, em confinamento.

A experiência já demonstrou que é nestes momentos, mais exigentes do ponto de vista emocional, que os pilares da família e das instituições podem estremecer ou ruir.

O desgaste físico e psíquico vivenciado pelos pais, pelos demais cuidadores e pelas próprias crianças pode levar à falência psicológica de quem tem a responsabilidade de proteger, amar e cuidar. As consequências da fragilidade ou rutura emocional são devastadoras para o equilíbrio e para a sanidade das famílias, bem como para a segurança, bem-estar e desenvolvimento das crianças. Mais, está demonstrado que a exposição das crianças e dos jovens ao risco de serem negligenciados ou maltratados em tempos de isolamento social é tanto maior quanto maior é a intensificação das medidas de contenção e de combate à pandemia. Por isso, é de assaz importância recordar que os direitos, sobretudo os das crianças e dos jovens, não estão de quarentena.

Neste momento tão singular como o que atravessamos, a proteção e o bem-estar das nossas crianças e dos nossos jovens têm que ser monitorizados em todos os momentos. Somos nós, sociedade, que temos que estar à altura das circunstâncias e, com criatividade e imaginação, proporcionar às novas gerações uma vida relativamente normal dentro desta normalidade relativa.

Num mundo agora tão diferente, inóspito e volátil cabe-nos alertar e estar alerta, pois o confinamento social jamais poderá levar ao confinamento dos direitos, sobretudo, os das nossas crianças e dos nossos jovens.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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