Uma eleição inconstitucional?

Ou se estende o prazo de votação ou a possibilidade de entrar no Tribunal Constitucional um pedido de impugnação desta eleição Presidencial poderá ser uma realidade.

Em 25 anos de diáspora, votei em todas as eleições Presidenciais.

Nem sempre foi fácil, as únicas eleições que requerem o voto presencial dos emigrantes nos consulados portugueses são as Presidenciais. O que me levou a apanhar na cidade de Bruxelas o metro até à estacão da Toison D’or para votar no nosso antigo consulado da Avenue Louise. Em Madrid, atravessei a pé o Bairro Salamanca para exercer o meu direito e, mais recentemente, já como residente em Hong Kong, apanhei o ferry até Macau para eleger o meu Presidente.

Nunca imaginei que nas primeiras eleições Presidenciais como residente em Portugal me fosse impedido exercer o meu direito de voto, assim como a um número, pela minha estimativa, perto de 400 mil dos meus concidadãos – o equivalente à votação de Marisa Matias nas últimas eleições, o que representou 10% da votação.

O cálculo é fácil de realizar. A data limite para requerer o voto antecipado para aqueles em isolamento profilático foi dez dias antes da eleição, ou seja, quem recebeu ordem de isolamento (por estar infetado ou por ter tido um contacto de risco) depois de 14 de Janeiro está impedido por lei de votar. O número médio de infeções nos últimos dez dias tem sido de 12 mil casos e se assumirmos que cada positivo gerou, em média, três contactos de risco, e que dois terços estão recenseados, então chegamos aos 400 mil isolamentos, decretados pelo Estado, de potenciais eleitores.

Mas não devíamos estar aqui a adivinhar. Peço que o Ministério da Administração Interna revele o número exato de declarações de isolamento profilático que foram emitidas desde 14 de Janeiro a eleitores. E não vamos contabilizar os inúmeros relatos daqueles que no dias antes de 14 tentaram inscrever-se no voto antecipado e foram impedidos por motivos técnicos.

Partilho o sentimento do porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), João Tiago Machado, ao afirmar que “não se consegue encontrar uma solução para todas as situações” e que estas situações já aconteciam noutras eleições onde as pessoas adoeciam dias antes. A diferença, neste caso, é uma pandemia que no dia antes das eleições infectou 15 mil pessoas. Ou seja, assumindo que os cálculos estão corretos, estamos a dizer, um dia antes das eleições, a 40 mil eleitores que não podem ir votar.

Desconheço qual seria a solução ideal, mas houve uma candidata que sugeriu o adiamento se houvesse convergência de todos os candidatos. Os partidos políticos e o Presidente da República refugiaram-se na questão técnico-jurídica da alteração e não deram seguimento. A Nova Zelândia e a Catalunha atrasaram eleições por causa da covid. Aparentemente, em Portugal, não se podia ter esse debate.

A constitucionalidade desta votação está em questão independentemente dos números de pessoas que foram impedidas de votar. A última declaração do estado de emergência do Presidente da República especifica que a liberdade de voto é salvaguardada. Como podemos comprovar, isso não corresponde à realidade para os nossos concidadãos com ordem de isolamento depois do dia 14 de Janeiro. E, segundo a Constituição, para suspender liberdades fundamentais em estado de emergência (como é o voto numas eleições) isso tem que estar explícito na própria declaração do estado de emergência (artigo 19.º, ponto 5). Não sou jurista nem constitucionalista, mas gostava de ouvir a opinião independente sobre esta questão.

Na altura em que vai estar a ler estas linhas já se deve conhecer o resultado das eleições. É provável que a taxa de abstenção seja a mais alta de sempre numas eleições em Portugal. Vamos ouvir muitas explicações dos especialistas que vão incluir o facto de estarmos no meio de uma pandemia, falta de interesse, vencedor anunciado, etc.

Independentemente das interpretações políticas, se, por causalidade, e matematicamente, a diferença entre uma segunda volta e a eleição direta de um candidato for igual ou menor ao número de confinamentos posteriores a 14 de Janeiro, então um alargamento do prazo de votação impõe-se.

A alternativa é a impugnação e a repetição do ato eleitoral.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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