A pulhice e os fanatismos

Vir penalizar os privados, que se organizaram adequadamente, só para que o ensino público não fique pior na fotografia, isso já se trata de uma inaceitável pulhice de um Governo que prefere nivelar por baixo na tentativa de camuflar as suas responsabilidades.

A obrigatoriedade de as escolas privadas se comprometerem com a suspensão das aulas, impedindo-as de passar para o sistema de ensino à distância, para o qual manifestamente estavam preparadas (ao contrário da escola pública, como agora se conclui), significa a admissão de um claro falhanço por parte do Ministério da Educação. Apesar dos meses que passaram e da consciência de que a pandemia poderia vir a ter novas vagas, não se cumpriu o prometido pelo próprio primeiro-ministro e não se resolveram os défices de acesso a equipamentos informáticos e a redes digitais por parte dos estudantes mais desfavorecidos.

Só por si, a impreparação demonstrada para cumprir metas estabelecidas é motivo de censura clara a um ministro da Educação cuja ineficiência já é, há muito tempo, por demais conhecida. Vir penalizar os privados, que se organizaram adequadamente, só para que o ensino público não fique pior na fotografia, isso já se trata de uma inaceitável pulhice de um Governo que prefere nivelar por baixo na tentativa de camuflar as suas responsabilidades.

Aponta-se a necessidade de não agravar desigualdades. Quem usa esta justificação, por via dela, terá de assumir três conclusões. Desde logo, que a suspensão das aulas prejudica efectivamente os alunos. Depois, que o falhanço governativo prejudicou os alunos da escola pública. Por fim, que para que não sejam só os alunos do público a serem prejudicados, se decide, intencionalmente, prejudicar também os do privado. Desculpem, senhoras e senhores apoiantes desta lógica do nivelamento por baixo, não faz sentido. Nenhum sentido!

Diz-se que é por o direito à educação estar defendido pela Constituição. Também o estão o direito à saúde e o direito à habitação. Seria o mesmo que proibir os hospitais privados de efectuarem cirurgias atempadas só porque os públicos têm listas de espera ou proibir obras de conservação e modernização nos edifícios privados enquanto o Estado não estivesse em condições de as fazer em todos os bairros camarários.

Infelizmente, este triste episódio contribui para melhor evidenciar o rumo perverso que este Governo escolheu para Portugal. Por razões de decoro, não se assume a intenção de acabar com a saudável coexistência de soluções públicas e privadas nos domínios da educação e da saúde. Quando o público sai bem na comparação, como é o caso da resposta do SNS à pandemia, enche-se o peito e abre-se o sorriso para a fotografia. Já quando os privados se mostram mais competentes, como é agora o caso (e também o foi, por exemplo, na gestão privada do Hospital de Braga), mudam-se regras ou decretam-se proibições.

De uma vez por todas, acabemos com o fanatismo ideológico. O que nos deve nortear é o conceito de serviço público (por definição, do interesse dos cidadãos) e não o carácter público ou privado de quem o presta. Precisamos de uma oferta pública e precisamos de uma oferta privada, porque essa é a melhor forma de garantir os direitos constitucionais dos portugueses. Quando o privado estiver melhor, ele deve ser o farol do público e o contrário também é verdade. É desse modo que se defende a Constituição e não com campos minados e jogadas de bastidores.

Senhor primeiro-ministro, todos os caminhos legais e leais são bons se nos apresentarem bons resultados. Não se deixe cegar pela ideologia. Não é ela que merece a sua atenção prioritária, são os portugueses. Todos os portugueses.

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