Colaboradores do mundo, uni-vos!

Implementou-se, pela calada de uma crise financeira, uma reforma no mundo laboral. Hoje, tudo e todos colaboram. A colaboração está em voga e veio para ficar. O trabalho e os trabalhadores são uma realidade distante, pertencentes a um tempo em que pobres “criaturas” procuravam o seu ganha-pão.

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Paulo Pimenta

“Hoje, ao arrepio de ideais neoliberais de pretensa produtividade e de uma altivez denegatória do estatuto, independência e valor dos trabalhadores, tudo e todos colaboram. Longe vão os tempos em que se trabalhava…”

Implementou-se, pela calada de uma crise financeira, uma reforma no mundo laboral. Hoje, tudo e todos colaboram. A colaboração está em voga e veio para ficar. O trabalho e os trabalhadores são uma realidade distante, pertencentes a um tempo em que pobres “criaturas” procuravam o seu ganha-pão.

O (ab)uso da expressão “colaboradores”, em detrimento de “trabalhadores”, atingiu um ponto em que qualquer dia já não há salários, há compensações em troca da “chatice” que é colaborar. Nem férias ou greves, porque era o que mais faltava deixar mal aqueles com quem se colabora; ou, pior, protestar contra algo que é fruto da uma árdua colaboração. Também não tarda e o mundo jurídico terá de acompanhar esta revolução: serão publicados o Código da Colaboração e uma Lei Geral da Colaboração em Funções Públicas, para atiladamente regular os direitos e deveres dos (novos) colaboradores.

Sejamos objectivos, não está em causa um preciosismo jurídico ou um caso de policiamento linguístico. Sendo certo que a linguística é uma ciência dinâmica, em constante mutação, por que razão se pretende expurgar o trabalho e os trabalhadores do “comércio linguístico”?

Não parece que se trate de um caso em que a nova expressão represente a realidade melhor do que a antiga ou que esta última tenha deixado de servir o seu propósito, porque colaborar significa cooperar em igualdade e o paradigma laboral não cambiou. Se os sócios de uma empresa ou os membros de uma associação de estudantes se encontram num plano de igualdade, na relação laboral, mesmo havendo cooperação e colaboração, o trabalhador e o empregador não são partes iguais. Enquanto um trabalha, o outro gere; enquanto o primeiro recebe salário, o segundo aufere lucros; e ao passo que um é o recipiente do poder disciplinar, o outro é o titular. São, portanto, notórias as diferenças que impedem de chamar a esta relação “colaboração”.

Resta-nos a hipótese (mais plausível) de alguém querer restruturar o mundo do trabalho, por intermédio da introdução de “colaboradores” na gíria. Mas quem quererá implementar sorrateiramente esta reforma? Desconfia-se de uns indivíduos que, ainda que portugueses, por altura da troika, transportavam pastas de Bruxelas, com etiquetas onde se lia “vivemos acima das nossas possibilidades” e “flexibilize-se o mercado de trabalho”, carregadas de folhas de Excel e de falsa produtividade. Conseguiram alcançar a proeza de associar um tom de inferioridade, menorização e até um certo estigma à palavra “trabalhadores”. Dá-se pelas pessoas a usarem “colaborador” para não ferirem susceptibilidades ou insultar. Contudo, é um caminho que se trilha e que é sinuoso e sombrio, uma vez que tem como objectivo o esbatimento das posições dos sujeitos laborais, para que, gradualmente, seja, por um lado, mais fácil despedir e aplicar processos disciplinares, mas, por outro, mais difícil reivindicar melhores condições de trabalho e direitos remuneratórios, sindicais…  

Que raio de sociedade é esta em que há receio de chamar trabalhador a um trabalhador? É uma palavra que acarreta demasiado significado e demasiada história para simplesmente ser esquecida. Todo o trabalho tem valor e cada trabalhador desempenha uma relevante função na sociedade, desde o advogado até ao operário. Por muito que custe, sem a intervenção de todos, a sociedade não conseguiria funcionar, muito menos desenvolver-se.

Trabalhadores do mundo, uni-vos em rejeitar um futuro sem trabalho!

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