A pandemia que destruiu a democracia

Se em outros anos lutámos, incansavelmente, para que a taxa de abstenção não ganhasse aos votos, neste ano de desgraça de 2021, quando corremos o risco de acompanhar as tendências extremistas do resto da Europa, decidimos deixar 100 mil pessoas com um dilema moral nas mãos: ir votar porque é um direito ou ficar em casa, para não infectar ninguém, o que também é um dever?

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LUSA/NUNO VEIGA

Para tudo na vida é preciso ter sorte, apanhar o vírus que se pode tornar altamente letal não é excepção. Para os azarados como eu, que tiveram um teste positivo depois de 14 de Janeiro, não só correm mais riscos de ter falta de meios para os socorrer, caso a sua situação de saúde se deteriore, como não vão poder exercer um dos poucos direitos que ainda nos restam e que podem, de facto, fazer a diferença para futuros cenários dantescos como este que atravessamos agora: a pandemia matou a democracia, contraímos um vírus não nos permite votar.

Quando recebi o resultado do meu teste, a 15 de Janeiro, além de todas as questões que tipicamente nos assolam - como é que apanhei, com quem estive, o que é preciso fazer -, surgiu uma outra: como é que vou votar? Quando consultei as páginas devidas da internet, tranquilizei-me, havia previsão na lei para pessoas em situação como a minha. Só que não, tive o azar de apanhar o vírus no dia errado. Ah, se ao menos tivesse tido sintomas um dia antes...!

Alguns dias volvidos, e perante o cansaço que este maldito vírus teima em fazer sentir, chego rápido à conclusão que podia estar dedicada a coisas mais úteis para a sociedade: ver as últimas tendências do Netflix, aproveitar para fazer uma dieta já que não tenho paladar, dormir, essa necessidade básica que nos é roubada no dia-a-dia e que agora posso recuperar, mas o meu cérebro é chato e o meu civismo ainda mais. Ambos não permitem que eu durma descansada quando o meu país não foi capaz de prever que, nos dez dias antecedentes às eleições presidenciais, haveria contágios e pessoas a testarem positivo ou, simplesmente, a terem de fazer isolamento profiláctico, privadas de um direito que é só seu.

Se em outros anos lutámos, incansavelmente, para que a taxa de abstenção não ganhasse aos votos, neste ano de desgraça de 2021, quando corremos o risco de acompanhar as tendências extremistas do resto da Europa, decidimos deixar 100 mil pessoas com um dilema moral nas mãos: ir votar porque é um direito ou ficar em casa, para não infectar ninguém, o que também é um dever?

E tudo isto estaria bem, pelo menos para mim, já que o que se diz por ai é que ao décimo dia a pessoa tem alta e já pode fazer a sua vida normal. Mas como esta situação de normal não tem nada, quis o azar novamente, ou os astros ou quiçá e mais uma vez a falta de gestão das pessoas em quem (não) votamos, que ao sexto dia de isolamento, dia em que vos escrevo este desabafo, ainda ninguém me tivesse ligado de qualquer organismo público ou sanitário. Não só não sei se vou ter alta, como não fosse eu uma pessoa minimamente informada, não fazia ideia do que se faz com um exame de pesquisa ao SARS-CoV2 por PCR positivo.

 Mentira, há uma coisa claro que não se pode fazer: votar.

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