Marcelo diz que Governo não previu terceira vaga da pandemia

No debate das rádios com todos os candidatos — à excepção de André Ventura, que faltou —, o Presidente da República admitiu exigir acordo escrito numa eventual solução de governo semelhante à dos Açores

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Debate das rádios Pedro Pina (RTP)

Em duas horas, os candidatos presidenciais, uns mais incisivos, outros menos, aproveitaram para confrontar o Presidente da República (e também candidato) com a influência (ou a sua ausência) em decisões do Governo, na gestão da pandemia, na formação do Governo Regional dos Açores e na justiça. Marcelo Rebelo de Sousa recebeu as críticas e reparos com alguma passividade, mas não deixou de dizer que o Governo não anteviu a terceira vaga da pandemia de covid-19.

No debate das rádios desta segunda-feira de manhã, a socialista Ana Gomes defendeu que, se fosse Presidente, reforçaria “a mão do Governo” na negociação com os privados para dar resposta ao combate à pandemia. “Houve a não antevisão da terceira vaga no tempo, a concentração no caso de Lisboa houve a sensação de que não ia ser necessário tantos recursos privados e sociais quanto àquilo que acabou por ser necessário a partir do crescimento dos casos em Dezembro e Janeiro”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, mostrando ter conhecimento sobre a capacidade do sistema de saúde.

Depois de Ana Gomes e de Marisa Matias terem insistido na requisição civil dos privados, o chefe de Estado não descartou essa hipótese, mas salientou que “a capacidade dos privados está no limite”, ressalvando que a das Forças Armadas ainda não está totalmente utilizada.

Acordos escritos no futuro

Num debate em que só André Ventura optou por faltar por “motivos de agenda”, a questão dos poderes presidenciais perante resultados eleitorais levou à polémica em torno da formação do Governo Regional dos Açores, que tem o apoio parlamentar do Chega.

Os candidatos da esquerda voltaram a afastar-se da solução governativa encontrada. João Ferreira insistiu que “tudo faria para evitar que forças de natureza antidemocrática pudessem crescer”, Marisa Matias lamentou a formação do governo regional com forças de extrema-direita e Ana Gomes acusou o Presidente da República de “normalizar” o Chega.

Marcelo Rebelo de Sousa disse que o representante da República fez bem ao exigir acordo escrito aos partidos que viabilizaram o governo regional. Caso seja reeleito, o Presidente da República admitiu que, “a nível nacional, havendo dúvidas sobre o comportamento [do Chega], faz sentido haver acordos escritos”. Esclareceu ainda que não pediu um acordo escrito a António Costa nas últimas legislativas porque, ao contrário de Cavaco Silva, não teve dúvidas “da constitucionalidade no apoio parlamentar das forças”. 

O Presidente e candidato criticou ainda a “valorização dos laterais que querem ser centrais” e defendeu que “o fenómeno Chega” acontecerá “mais depressa” se for transformado num “pólo central da vida política”.

A palavra decisiva

Foi na questão do apoio parlamentar do Chega a um governo que Tiago Mayan Gonçalves se aproximou mais da posição do actual Presidente, ao defender que é uma força que “está validada pelo Tribunal Constitucional”. De resto, em muitas questões discutidas no debate, o candidato da Iniciativa Liberal foi, de longe, o que teve a língua mais afiada sobre os primeiros cinco anos de mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. O advogado acusou o Presidente de ser o “porta-voz” do Governo na falta das vacinas da gripe ou dos prémios para a saúde anunciados na cerimónia da Liga dos Campeões ou de ter feito um “pacto de silêncio” em casos como o do SEF e da escolha do procurador europeu.

O excesso de uso da palavra foi também apontado por Ana Gomes, que citou até o antigo Presidente Jorge Sampaio, que escreveu recentemente sobre a “palavra decisiva”. O comunista João Ferreira apontou também os actos de Marcelo que estão em julgamento como os vetos ou as promulgações de diplomas que não protegeram os trabalhadores. Neste ponto, o antigo autarca de Rans, Vitorino Silva, contrapôs outra atitude à do Presidente: “Não ser o homem do mundo que mais testes faria. Parece que acrescentaria covid ao currículo. Eu não faria isso, resguardava-me.”

Confrontado com as críticas, Marcelo Rebelo de Sousa apontou prioridades para os próximos tempos: gestão da pandemia, recuperação económica do país. E desviou as atenções para a regionalização, em que mantém a posição de que é preciso um referendo sobre a matéria como está na Constituição. Aí obteve a concordância, em geral, dos candidatos, embora Tiago Mayan Gonçalves tenha pedido que se discuta sobretudo quais os poderes de que o Estado central está disposto a abdicar.

Nas questões da justiça, os candidatos desvalorizaram os resultados do pacto fechado com os agentes judiciais pelo Presidente da República, e o próprio reconheceu que só numa pequena parte foi aplicada, responsabilizando por isso os “parceiros políticos”. Quase todos discordaram da delação premiada, um ponto que levou Ana Gomes a interpelar directamente Marisa Matias: “Tu também apoias os denunciantes e bem”, disse a socialista, depois de assumir que defende uma “colaboração com controlo judicial como a com o Rui Pinto”. Neste ponto, Marcelo Rebelo de Sousa também reconheceu que é preciso “ir mais além” no combate à corrupção económica. 

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