A CNE que aprenda a lição

A democracia só tem a ganhar se diversificar as formas de participação eleitoral.

Mais de 250 mil portugueses foram votar neste domingo por precaução e dever cívico. A assustadora velocidade com que a covid-19 se tem espalhado nas semanas seguintes ao Natal, a ponto de colocar em risco a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde, é um bom motivo para a antecipação do voto, de modo a evitar as concentrações habituais no dia das eleições.

Mas a quantidade de pessoas inscritas no voto antecipado em mobilidade nestas eleições presidenciais, cinco vezes superior ao número de inscritos nas legislativas de 2019, pode significar algo mais do que uma preocupação sanitária. Pode querer dizer que estas eleições atípicas, no meio de um segundo confinamento geral, ganharam um interesse suplementar, na sequência dos debates televisivos, devido ao confronto entre as candidaturas de esquerda e uma candidatura extremista que promete superá-las. Com a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa garantida, com os principais partidos ausentes em parte incerta, e na ausência de uma campanha propriamente dita, a mobilização torna-se mais difícil e transfere-se, para o bem e para o mal, para os territórios das redes sociais e dos canais televisivos.

Neste cenário, era desejável que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) demonstrasse outra eficácia. Foram muitas as queixas pelo tempo de espera para votar, pela ausência de informação precisa ou porque algumas mesas de voto não ofereciam as condições mínimas para eleitores de mobilidade reduzida. Está tudo dito quando até o presidente da Assembleia da República considera que o apelo ao voto da Comissão Nacional de Eleições é “muito fraco”. Reduzir a abstenção é, à partida, um objectivo de todos: cidadãos, partidos, República.

Estas eleições mereciam que se tivesse adoptado outros processos de participação mais seguros. As presidenciais nos EUA, eleições que registaram os níveis de participação mais elevados de sempre, apesar da catástrofe sanitária que se vivia naquele país em Novembro, deveriam merecer a reflexão da CNE. A Constituição pode não impor um limite de participação para legitimar um Presidente, mas a verdade é que uma abstenção estratosférica retira força ao cargo e ao processo democrático. O voto electrónico ou o voto antecipado por correspondência não eram só mais adequados por causa da conjuntura. São formas complementares do exercício da democracia. Esta só tem a ganhar se diversificar as formas de participação eleitoral.

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