Pandemia à beira do abismo

Poderá ser uma situação de verdadeira catástrofe a levar o Governo a agir, o que seria péssimo pelo tempo desperdiçado e pelas vidas perdidas.

Como o PÚBLICO titulou há uma semana na sua primeira página estávamos “no princípio do pior” da situação pandémica em Portugal. Todos os indicadores – números de mortes, número de novos casos, necessidade de cuidados intensivos – já apresentavam um recorde nesse dia e, daí até hoje, tem sido uma sucessão de máximos ultrapassados. Ontem foi mais um.

Somos um dos países com um dos registos mais complicados da Europa e esse cenário lúgubre, reforça-se com a previsão dos administradores hospitalares que calculam que o número de internados por covid-19 possa aumentar 60% durante a próxima semana. Podemos vir a ter mais de 7500 infectados nos hospitais, 900 em cuidados intensivos. E a ser correcto o alerta do epidemiologista Carmo Gomes, de que os 10 mil casos diários podem ser “um tecto falso” que escondem uma realidade bastante pior por incapacidade de testagem, as previsões poderão até ser conservadoras.

Na marcha inexorável da epidemia, já não vamos a tempo de evitar que o cenário das ambulâncias à porta dos hospitais, da corrida pelo aumento da capacidade de internamento, venha a ser a dura realidade dos próximos dias. O pior dos horizontes, o de atingirmos a capacidade de resposta do sistema de saúde, pode estar terrivelmente próximo. Leia-se com atenção as palavras do presidente do conselho de administração do Santa Maria: “A capacidade dos hospitais não é ilimitada.”

Perante esta realidade, a inclinação do Governo para manter o equilíbrio entre as necessidades de saúde pública e a subsistência de uma economia em transe, começa a assemelhar-se a uma inclinação para o abismo. O confinamento teve uma partida em falso e se, passado o fim-de-semana, a situação se mantiver e as autoridades não reforçarem as restrições rapidamente, poderá ser uma situação de verdadeira catástrofe a levar o Governo a agir, o que seria péssimo pelo tempo desperdiçado e pelas vidas perdidas.  

As imagens dos hospitais sobrelotados como o de Loures ou Torres Vedras podem trazer o medo, que funcionou em Março, e que poderá levar alguns dos que encararam de forma mais ligeira este confinamento a arrepiar caminho. Mas o cansaço acumulado, e a necessidade de muitos continuarem a sua vida, deixa cada vez menos margem às autoridades para hesitações. Não reforçarmos o confinamento, perante o abismo que se avizinha, até para preservar coisas essenciais como o ensino presencial nos primeiros ciclos, será um caso de cegueira colectiva.

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