O polígrafo da Saúde

Os privados pretendem lucrar com a covid? A eficiência da PPP do Hospital de Braga é um mito? Nestas eleições presidenciais os factos têm sido, por vezes, manipulados. Vejamos cinco das afirmações que é fundamental esclarecer.

A campanha para as eleições presidenciais está a decorrer em plena terceira vaga da pandemia, o que coloca a saúde como tema incontornável do debate entre candidatos. O desacordo e a troca de argumentos é muito desejável, já que fortalece o debate público. Acontece que os factos têm sido, por vezes, manipulados. Vejamos cinco das afirmações que é fundamental esclarecer.

1. Os privados desertaram quando foi preciso tratar covid-19? Os hospitais privados desde a primeira hora que se apresentaram como totalmente disponíveis para participar na luta contra a covid-19. A 17 de março, a DGS informou que na fase de mitigação não haveria o conceito de hospitais de referência e que desde esse momento cada hospital trataria “os seus doentes suspeitos de covid-19”, desde a avaliação clínica ao teste covid-19, passando pelo internamento. Assim, a partir de 26 de março os hospitais privados passaram a assegurar o diagnóstico, tratamento e internamento de doentes diagnosticados com covid-19 e houve cinco unidades privadas de primeira linha e foram afetas 354 camas a doentes covid. Durante duas semanas esta resposta funcionou e foram prestados cuidados a milhares de cidadãos. A 9 de abril, o MS aprovou uma abordagem diferente. Decidiu que os hospitais privados não deveriam ter qualquer intervenção no tratamento da generalidade dos doentes covid-19 (SNS, ADSE, etc.). A partir dessa data, os hospitais privados apenas ficaram de atender doentes covid-19 com alguns seguros de saúde. Ou seja, os privados não desertaram, foram desmobilizados.

2. Os privados começaram por exigir 13 mil euros para tratar cada doente covid? Os privados nunca pediram nenhum valor pelo tratamento destes doentes. Os valores estipulados pelo MS para o tratamento de doentes covid, tal como para o tratamento de doentes não covid, foram fixados de forma unilateral pelo ministério, não houve negociação nem se conhecem exatamente os pressupostos assumidos para o seu cálculo. Ou seja, os privados não pediram coisa nenhuma, aceitam os valores que o Ministério da Saúde decreta.

3. Os privados pretendem lucrar com a covid? A hospitalização privada não poderia estar mais de acordo com o princípio de que os privados não devem receber mais do que o Estado gasta. O MS deve ser claro e transparente sobre os custos do SNS em cada situação e essa também seria a forma de eliminar o fantasma sobre os preços pagos aos privados. Os privados não pretendem nenhum preço majorado, mas defendem que os preços convencionados tenham por base o custo efetivo no SNS. Ou seja, o preço praticado é sempre abaixo do custo.

4. O SNS transfere 41% da despesa para os privados? A afirmação de que há uma transferência para os privados ignora quem são esses privados: os portugueses. As contas do INE são inequívocas, na despesa corrente pública por prestador os hospitais privados correspondem a 9%. A maior despesa com “os privados” são os 12,4% que correspondem à comparticipação dos medicamentos que os portugueses compram nas farmácias, havendo depois também a comparticipação do Estado em atos como os meios complementares de diagnóstico. A linha típica de argumentação de quem usa esta frase costuma concluir pela dependência dos hospitais privados face ao setor público e, nomeadamente, à ADSE. A verdade dos números esclarece que a ADSE tem vindo a perder peso na atividade dos hospitais privados. Em 2018 era já de apenas 16,8%. Ou seja, o Estado não transfere 41% da despesa da saúde para os privados, mas financia os portugueses no acesso, a começar pela comparticipação nos medicamentos. 

5. A eficiência da PPP do Hospital de Braga é um mito? Todas as análises e estudos conhecidos, nomeadamente do Tribunal de Contas, das ARS, da Universidade Católica e da UTAP concluem que a PPP do Hospital de Braga foi muito eficiente. Em 2017 e 2018, a PPP do Hospital de Braga apresentou os mais baixos custos operacionais por doente padrão do SNS (€2280). Só nos primeiros quatro anos, e de acordo com a UTAP, a PPP de Braga gerou a poupança de 75 milhões de euros para o Estado. Os estudos indicam também que os utentes geridos em PPP estão protegidos por padrões de qualidade mais exigentes do que os aplicados na monitorização dos hospitais de gestão pública. Ou seja, a PPP do Hospital de Braga não só foi muito eficiente, como era um exemplo no SNS, com fortes poupanças para o Estado e com a prestação de cuidados de saúde de grande qualidade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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