Gestos com significado

Há muito que a literatura aponta o falhanço das lideranças e partidos do sistema democrático na salvaguarda do Estado de Direito e dos valores da democracia como um factor de marginalização de franjas cada vez maiores da população permeáveis a discursos populistas, demagógicos e polarizadores, invariavelmente pontuados pelas mais diversas expressões de intolerância, discriminação e radicalização ideológica que corroem a conquista civilizacional que é o Estado de Direito Democrático.

Tais expressões encontram em manifestações políticas, cívicas, culturais e desportivas palcos privilegiados para ecoarem a sua mensagem, e ocasiões propícias para se perfilarem como eventuais “alternativas” políticas, sempre que se transige na salvaguarda de direitos, liberdades e garantias fundamentais, seja por tacticismos políticos oportunistas – patente na crise de refugiados ou mais recentemente na posição assumida face á aplicação do Estado de Direito em alguns Estado Membros da União Europeia -, ou pela ausência de respostas firmes e demarcação clara de limites inultrapassáveis.

Porém, enfatizar a crescente ameaça trazida pela polarização e pelo discurso do ódio ao pluralismo democrático, onde assenta o consenso essencial à construção de políticas inclusivas e de combate à discriminação, apenas pela ótica da omissão e demissão das lideranças democráticas, que ignoram e desprotegem aqueles que representam e elegem, configura um enviesamento para se suster os perigos da estigmatização, pois também no plano da acção política persistem enraizados factores agravantes dessa tendência.

Quando o desenho de políticas públicas, particularmente em domínios de integração social e combate à exclusão, toma aqueles a quem a sua intervenção se destina, mais como recipientes de decisões externas do que atores comprometidos no processo, aumenta-se o risco destes não se reverem nas opções tomadas e concomitante falhar a sua potencial eficácia.

Sempre que se afastam domínios críticos de combate à discriminação, não se compromete apenas a transversalidade indispensável ao sucesso destas políticas, mas fragiliza-se também aqueles domínios - como a cultura ou o desporto - expondo-os como palcos de intolerância e discriminação, diminuindo o seu inestimável valor social. Excluindo e agudizando preconceitos.

Por isso, a mensagem que recentemente o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, trouxe ao tomar como seu primeiro acto à chegada a Portugal dirigir-se ao Comité Olímpico de Portugal para se inteirar do programa “Viver o Desporto Abraçar o Futuro”, que através do desporto fomenta a integração de refugiados em Portugal, privando com dois atletas refugiados que ao abrigo deste programa alimentam o sonho de participar nos Jogos Olímpicos de Tóquio foi, nas suas palavras, como o desporto acolhe, entre muitos outros, estes refugidos em Portugal “possibilitando viver os mesmos sucessos e frustrações que qualquer atleta”.

Grandi prestou um serviço ao desporto e ao país, pois como o Papa Francisco frisou na sua recente entrevista à Gazzeta dello Sport “O desporto é tudo isto: esforço, motivação, desenvolvimento da sociedade, assimilação de regras. E depois é divertido…” dando expressão do impacto de um programa que em Portugal se debate com a ausência de reconhecimento das tutelas do desporto e da inclusão social.

Num momento em que, o Governo português, cria mais um “Grupo de Trabalho para a Prevenção e o Combate ao Racismo e à Discriminação” onde o desporto fica de fora, o contraste deste gesto impressivo de um alto representante político expressa como a discriminação tem raízes profundas e começa na mentalidade de quem toma decisões.

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