Eu é que decido em quem voto

Se não aceito que sejam comentadores ou sondagens a limitar a minha escolha, também não votarei em função da chantagem imposta pela extrema-direita ou na criação de bipolarizações artificiais.

Nos dias que correm tentam fazer da democracia uma coisa pequena, bicho amestrado com destino decidido. A riqueza do debate de ideias, a voz do povo que da individualidade do voto escolhe o rumo para a nossa viagem coletiva, o confronto de pontos de vista diferentes, mas tudo isso parece cansativo a alguns opinadores da praça. Por eles fechava-se isto, entregavam-se já as chaves de Bélem e acabava-se com a maçada. É a opinião de quem acha que as eleições só servem para cumprir calendário e tem em sondagens a estrela polar com que se orienta. Será assim?

Comecemos pelo básico: se há derrotados em todas as eleições recentes são as empresas de sondagens. Só por piedade lhe pode continuar a ser dada credibilidade tais são os falhanços das previsões. Lembra-se do “Brexit” que as sondagens garantiam que nunca existiria? Começou a 1 de janeiro.

Um outro argumento usado é dizer que há uma tradição em Portugal: todos os presidentes da República que se recandidataram foram reeleitos à primeira volta. Tem uma verdade histórica mas a tradição não vota, são as pessoas. Retiremos determinismos à democracia para ficarmos com a sua grande riqueza: liberdade.

O que se joga, então, nestas eleições? Em primeiro lugar, a independência do voto de cada um de nós. Não são os comentadores que dizem em quem votar, não são as sondagens que votam por nós, nem é a tradição que nos restringe. Nós é que escolhemos onde colocamos a cruzinha.

Depois, estão em jogo projetos diferentes para o país, visões diversas de como nos organizamos em sociedade, que valores fazem parte do nosso contrato coletivo. É dessa riqueza que podemos escolher as ideias de que gostamos mais e quem, nestas eleições, as representa melhor. E isso é ainda mais visível e importante no meio de uma crise brutal como aquela que atravessamos.

Ao entrarmos hoje num novo período de confinamento, com os números da pandemia a disparar, sabemos como o Serviço Nacional de Saúde é fundamental. E, por aí, podemos já diferenciar algumas das candidaturas. Na construção da Lei de Bases da Saúde, cumprindo o legado de Arnaut e Semedo, foi Marcelo quem colocou problemas e até ameaçou com o veto. E porquê? Para defender os interesses privados na saúde, os mesmos interesses que agora, em plena urgência pandémica, regateiam o apoio ao SNS.

Aliás, ao longo dos últimos anos Marcelo foi colocando as areias na engrenagem sempre que havia a suspeição de que o Governo de António Costa poderia fazer uma escolha mais à esquerda. E já o avisa para o segundo mandato: até 2023 pode ficar o PS no Governo, depois logo se vê. Tradução: quer tempo para preparar a reconstrução da direita e conseguir a tal “alternância” que sempre defendeu - e não tem problemas em colocar o Chega num futuro governo. Esse pretende ser o seu legado, o que não pode deixar de preocupar o povo de esquerda.

Se à esquerda há várias escolhas, é uma vantagem enorme pois pode mobilizar mais na defesa do SNS, da Escola Pública. Pena que não se possa dizer isso também chega às questões laborais e ao combate à precariedade. Ana Gomes não se mistura nesse campeonato, querendo defender o legado onde o PS faltou à esquerda.

No entanto, engana-se quem acha que a esquerda se mede pela bitola da direita e na submissão à agenda das candidaturas populistas. Se não aceito que sejam comentadores ou sondagens a limitar a minha escolha, também não votarei em função da chantagem imposta pela extrema-direita ou na criação de bipolarizações artificiais. O voto que soma é o das nossas ideias e dos nossos valores, é isso que farei. Por isso aqui fica um abraço para a minha presidente Marisa, que nunca faltou à defesa dos serviços públicos, sempre juntou a voz à dos precários, se levantou em defesa dos direitos e da inclusão, marchou com os jovens pela resposta à crise climática e sabe como é importante a proteção dos direitos dos animais.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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