O país fechou. Mas não era necessário fechar os livros

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Filipa Fernandez

Os livros provaram ser, durante o primeiro confinamento e ao longo de todo o ano de 2020, um objecto de consolo, companhia, escape, apaziguamento, nutrição — o consolo, a companhia, o escape, o apaziguamento, a nutrição possíveis num ano de medo, ansiedade, privação, solidão e perda. Não encerremos os livros, não privemos os leitores do acesso ao livro.

Durante o confinamento de Março do ano passado, os livros foram considerados bens essenciais. As livrarias tinham autorização para manter a venda ao postigo, embora uma grande parte delas tenha decidido encerrar, possivelmente porque os clientes e as vendas eram escassos e não compensavam manter as portas abertas. Neste novo confinamento, manteve-se a autorização de venda de livros ao postigo (veremos quantas livrarias poderão manter-se abertas assim), mas o Ministério da Economia e o Ministério da Cultura ditaram a proibição de venda de livros nas grandes superfícies para evitar a «distorção do mercado» (palavras do ministro da Economia).

Qualquer pessoa envolvida no sector dos livros reconhece a necessidade premente de proteger e apoiar os livreiros independentes. Na minha modesta opinião, esse apoio deve ser dado de duas formas: num prazo mais curto, apoiando todos os livreiros que se viram impedidos de abrir ou manter portas abertas. A médio, mas igualmente urgente, prazo, promovendo a necessária revisão da lei do preço fixo, que permita aos livreiros independentes vender livros em condições de igualdade com os seus concorrentes.

Esta medida de proibição de venda de livros nos hipermercados não só não protege os livreiros (apenas impede os seus concorrentes de vender livros) como fere gravemente a restante cadeia do livro: editores e autores. Quem dita uma medida destas revela uma profunda ignorância do sector do livro. Um livro não é um produto feito em massa numa fábrica. Um livro é, primeiro, um objecto de amor e aturado trabalho do seu autor. E, depois, o resultado de um trabalho longo e minucioso entre autor e editor e de um investimento muito considerável do editor. Quem toma esta medida não sabe como se faz um livro nem quanto custa fazê-lo. Quem toma esta medida talvez não saiba que se publicam e lançam no mercado todos os meses largas centenas de livros novos. Talvez não saiba que os livros têm um ciclo de vida cada vez mais curto nas estantes dos pontos de venda e que, escassos meses após a publicação, podem ser devolvidos na totalidade, interrompendo abrupta e irreversivelmente a sua vida e minguando os rendimentos do seu autor. Talvez não saiba que um autor dedica centenas, ou mesmo milhares, de horas a cada livro que escreve e que um editor investe milhares de euros em cada livro que publica. Talvez não saiba que o sector da edição é um sector de margens mínimas e que a maioria dos autores ganha parcas centenas de euros com cada livro que escreve. Uma medida destas olha apenas para um lado do problema do sector do livro — a necessária e urgente ajuda aos livreiros — e ignora quem o faz.

No primeiro confinamento, foram anunciadas medidas de apoio que não podem ser classificadas de outra forma: uma parca esmola. O apoio agora anunciado é igualmente mísero. Não salvará um único livreiro, não salvará um único editor.

Não venho reclamar mais apoios. Sei bem que uma grande parte dos sectores da cultura sofrem ainda mais do que editores e livreiros. O que reclamo, e não entendo como não é percebido pelos dois ministérios envolvidos, é que deixem o sector funcionar, que não interrompam a cadeia, que não matem o livro.

O que reclamo é só isto:

As livrarias não são lugares de risco — deixem-nas funcionar, com condicionamentos, com um cliente de cada vez, porque comprar livros exige demora, exige ver para escolher.

Os livros são bens essenciais — e, como tal, devem poder ser vendidos nos lugares onde compramos o pão e o azeite que pomos na mesa.

Não fechemos os livros — os livros são lugares de horizontes largos, tão necessários no momento que vivemos.

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