Consequências da violação grave dos deveres dos pais em relação aos filhos

Apenas em casos muito graves de abandono, crueldade, maus tratos que consubstanciem um grave prejuízo para a criança, em situações em que não se perspetive uma possibilidade de reversão do comportamento do progenitor, é que fará sentido decretar a inibição das responsabilidades parentais.

De acordo com o disposto no artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.

No quadro deste papel protetivo dos pais, cumpre-lhes zelar pelo desenvolvimento dos filhos, proporcionando-lhes educação, instrução, segurança, saúde, afeto, etc., conforme resulta dos normativos dos artigos 1878.º e 1885.º, n.º 1, do Código Civil.

Quando existe uma violação culposa e grave dos deveres dos pais, em relação aos filhos, estes podem vir a ser separados daqueles, conforme resulta do artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, o que opera por meio de restrições ao exercício das responsabilidades parentais, decretadas por decisão judicial (artigos 1915.º e 1918.º do Código Civil).

Estas restrições podem traduzir-se numa limitação do exercício das responsabilidades parentais ou, em situações extremas, na inibição desse exercício.

Sendo a inibição do exercício das responsabilidades parentais uma medida extrema, que leva à privação desse mesmo exercício, esta só pode ser decretada após ficar provada a violação culposa dos deveres dos pais para com os filhos e que, dessa violação, resultem graves prejuízos para estes.

Com efeito, mesmo estando demonstrada a existência de uma violação culposa, da qual tenha resultado um grave prejuízo para os filhos, poderá a situação concreta não aconselhar a determinação da inibição do exercício das responsabilidades parentais, na medida em que existem outras formas, menos gravosas, de proteger os menores, não impedindo totalmente o exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores.

Poderá, por exemplo, esse exercício, em vez de ser inibido, ser limitado, ou seja, os progenitores, quanto a determinadas questões – em relação às quais esteja demonstrado que as condutas que adotam são causadoras de graves prejuízos para os filhos e que, na adoção de tais condutas, agiram com culpa –, verão o exercício das mesmas impedido mas, quanto a outras questões relativas ao exercício das responsabilidades parentais, em relação às quais adotam conduta diferente, manterão o exercício das mesmas.

Na valoração a ser feita pelo tribunal, importa ter em conta que o decretamento de uma inibição do exercício das responsabilidades parentais pode pôr em causa a manutenção do vínculo afetivo entre o progenitor e o filho e, como consequência, causar um prejuízo maior a quem se quer proteger, até porque uma criança é gravemente afetada, do ponto de vista emocional, ao confrontar-se com uma figura parental que está inibida de o ser.

Assim, apenas em casos muito graves de abandono, crueldade, maus tratos que consubstanciem um grave prejuízo para a criança, em situações em que não se perspetive uma possibilidade de reversão do comportamento do progenitor, é que fará sentido decretar a inibição das responsabilidades parentais.

Por exemplo, poderão existir situações em que, aparentemente, se poderia decretar uma inibição do exercício das responsabilidades parentais mas que, considerando o concreto interesse da criança e a possibilidade de proteger a mesma, através do recurso a outras medidas, se mantenha o exercício das responsabilidades parentais, pelo progenitor em causa, limitando-se contudo o exercício das mesmas, por forma a, salvaguardando a segurança da criança, manter o mais intocado possível o laço afetivo.

Advogadas na Rogério Alves & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL

As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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